A eufórbia de José Gomes Pedro
As falésias entre a Serra da Arrábida e o Cabo Espichel estão viradas para sul. Fosse a terra plana e viéssemos nós equipados com visão telescópica, era em Marrocos que o nosso olhar se fixaria. Isto se conseguíssemos desprendê-lo do cenário esmagador de escarpas abruptas e praias secretas que nos rodeia. Quem vem do norte tem de encontrar nem que seja um pequeníssimo defeito para se defender: à noite não é neste mar que o sol mergulha.
Com a criação, por decreto-lei de 1976, do Parque Natural da Arrábida, quis-se proteger a flora do rebordo sul da península de Setúbal. Uma visita de um dia só à envolvente do Cabo Espichel, guiados por quem lhe conhece todos os trilhos, nichos e recantos, e sabe de cor o nome de todas as plantas grandes ou pequenas, forneceu-nos um panorama incompleto mas eloquente da vegetação ímpar deste parque. E as pessoas que nos acompanharam são tão generosas que querem partilhar o seu saber e entusiasmo com toda a gente. Botânicos amadores, aprendizes de naturalistas, curiosos do mundo vegetal: de que estão à espera para se inscreverem na Sociedade Portuguesa de Botânica?
A Euphorbia pedroi, que só há treze anos foi oficialmente baptizada, é um dos símbolos maiores do Parque Natural da Arrábida. Com um tronco atarracado e cinzento, e uma copa arredondada que faz lembrar a de uma árvore em miniatura, é um arbusto que pode atingir os dois metros de altura e que, no Verão, se despe da sua folhagem semi-carnuda. Vive nas escarpas, sobre solo esquelético ou em fissuras de rochas. Dela se conhecem quatro populações entre a Arrábida e o Cabo Espichel. Não existe em mais lugar nenhum do mundo.
A proximidade morfológica entre a Euphorbia pedroi e outras espécies como a E. dendroides, ausente de Portugal mas de ampla distribuição mediterrânica, explicará como ela pôde permaner tantos anos incógnita. Durante longo tempo terá prevalecido a opinião de que a eufórbia da Arrábida seria a E. obtusifolia, espécie que hoje em dia (sob o nome E. regis-jubae) se julga estar confinada a Marrocos e às ilhas Canárias. Além da E. pedroi, as únicas outras eufórbias arbustivas espontâneas em território português são as madeirenses E. piscatoria e E. anachoreta.
Foi o engenheiro agrónomo José Gomes Pedro — nascido em 1915, um dos maiores estudiosos da flora arrabidense, galardoado em 2006 com o Prémio Quercus e autor do livro Vegetação e Flora da Arrábida (ICN, 1991) — quem primeiro reconheceu que a eufórbia que hoje leva o seu nome era afinal um caso à parte. Mas só em 1997, com a publicação nos Anales del Jardin Botánico de Madrid, é que a descoberta foi oficializada pelos botânicos espanhóis Julián Molero e A. M. Rovira.
3 comentários :
As Euphorbias arbustivas madeirenses são a E. piscatoria e a E. mellifera.
Há uma fotografia desta última em http://botanicailhas.blogspot.com/, entrada de 10 Nov 2008.
Obrigado pela correcção e por nos mostrar a foto dessa notável Euphorbia.
Obrigada por esta linda referência ao meu pai.
Teresa Gomes Pedro
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