Vestir a manta
Quercus faginea subsp. broteroi (Coutinho) A. Camus
Nas terras de Sicó é suave a ondulação dos montes, o que faz com que os carvalhais sejam bem diferentes daqueles que encontramos no noroeste do país. É também verdade que o carvalho é outro: num arroubo de nacionalismo até lhe chamamos carvalho-português, embora isso não o tenha impedido de se instalar igualmente em Espanha. O carvalho-roble nortenho (Quercus robur), por seu turno, é claramente internacional, sem que isso o faça menos português. Não serão pois razões patrióticas que nos farão preferir um carvalho ao outro. Ambos têm uma dignidade admirável que a idade só reforça. No que toca à beleza, o ponto forte do carvalho-roble é a cor luzidia da sua folhagem primaveril. Por contraste, as folhas do carvalho-português (ou carvalho-cerquinho) começam por ser pálidas e baças, ganhando vivacidade à medida que a Primavera amadurece. O primeiro estreia triunfalmente a sua manta nova; o segundo insinua-se devagarinho nos nossos sentidos. Digamos que o marcador regista um empate no final do prolongamento.
Os concelhos de Ansião e Alvaiázere albergam a maior mancha ibérica de carvalho-cerquinho. A rota do carvalho cerquinho, iniciativa da associação Terras de Sicó, estende-se por trinta quilómetros e permite caminhar um dia inteiro entre carvalhais quase ininterruptos. E, agora que é tempo de orquídeas, assinale-se que algumas delas (como a Neotinea maculata e a Cephalanthera longifolia) preferem a sombra protectora dos carvalhos à vegetação rala da crista dos montes.
O carvalhal que ilustra esta conversa, fotografado em Março e Abril deste ano, não está incluído na rota pedestre. Cercado por um olival e por campos de cultivo, terá uns quatro ou cinco hectares, e é uma amostra preciosa, fartamente sonorizada pelo canto dos pássaros, do muito que há de bom por terras de Sicó.
6 comentários :
Bem esta sua segunda foto é de uma beleza estonteante: que cores, que luxuria temperada...as epífitas vestindo os seus ramos belos e esta luz de Abril...quase nos esqueçemos q portugal ainda é assim, só de pensar que um dia todo o país foi assim.
Tenho que fazer essa rota um dia. Parabéns!
Esta é uma matéria em que se observa bem a diferença entre nós e os ingleses. Estes, duvido que mostrem qualquer relutância em chamar, com orgulho, "english oak" ao também nosso Quercus robur. Já nós, quase que pedimos desculpa por chamar carvalho-português ao Quercus faginea. Assim seja, e viva o cerquinho!
Mas isso é o menos importante...Português ou cerquinho, a sua beleza fica bem patente nas vossas imagens que nos aguçam bastante a vontade de conhecer estes carvalhais de Terras de Sicó. A dita associação devia-vos ficar eternamente gratos, este texto e imagens é como aqueles anúncios que nos ficam na cabeça e nos impelem ao consumismo desenfreado.
Pois é, Pedro, dêem ou não fotos e texto vontade de ir para fora cá dentro, sempre é um consumismo inocente, desse que se satisfaz só de olhar o objecto desejado.
E tens razão, não devíamos ser tão acanhados em dizer que uma certa coisa é portuguesa. Mea culpa. Há aquela chatice de não estarmos suficientemente separados de Espanha para as nossas plantas e árvores serem exclusivamente portuguesas. Há algumas dessas, porém são muito poucas. Mas esse requisito de exclusividade deve saudavelmente ser dispensado, como muito bem fazem os ingleses.
Um amigo meu já me tinha falado na beleza da Serra do Sicó. Agora ainda fico com mais vontade de a percorrer.
Pois, até os ingleses chamam ao carvalho-cerquinho ou carvalho-português, portuguese oak, assim como chamam ao azereiro ou menos normalmente loureiro de portugal, portuguese laurel.
"Já nós, quase que pedimos desculpa por chamar carvalho-português ao Quercus faginea" ?!????
Não entendo!
Quem pede desculpa e porquê.
Não está a efabular um pouco?
Caro anónimo,
A efabular parece-me um pouco excessivo, embora o tom do meu comentário seja propenso a injustiças pelas generalizações que faço, nomeadamente do nosso carácter e do dos ingleses.
E injusto, porventura, porque generalizo a opinião de alguns botânicos, tomando-a pela opinião de todos os que amamos as árvores, segundo a qual a designação "cerquinho" é mais apropriada do que "carvalho-português" e, inclusive, do que "carvalho-cerquinho".
Vamos então por partes:
a) A designação cerquinho será preferível a carvalho-cerquinho porque, de acordo com Pedro Bingre e Pedro Damasceno, na colecção "Árvores de Florestas de Portugal", a palavra cerquinho evoluiu e passo a citar: "...a partir do étimo latino Quercinu (caso genitivo do substantivo Quercus, "carvalho", que na pronúncia latina original se pronunciava kérkinu, daí tendo evoluído até à proépia actual). Por isso mesmo deve evitar-se o pleonasmo carvalho-cerquinho."
b) A designação cerquinho é preferível a carvalho-português por, na opinião de alguns autores, ser esta pouco precisa. E porquê? Porque, em primeiro lugar, e como escreveu o Paulo Araújo, o Quercus faginea não é um exclusivo lusitano. E, em segundo lugar, porque em Portugal existem mais espécies de carvalhos, arbóreos ou arbustivos, a saber (e sem enumerar os híbridos: Quercus robur, Q. pyrenaica, Q. faginea, Q. canariensis, Q. rotundifolia, Q. suber, Q. coccifera e Q. lusitanica).
Na realidade, o caso é ainda mais complicado, porque, por exemplo, em Portugal há o hábito, em certas regiões em que as espécies coexistem, em chamar cerquinho igualmente ao Quercus pyrenaica.
E depois porque, a subespécie Quercus faginea faginea, também se chama pedamarro, em certas regiões do país, por oposição à subespécie Quercus faginea broteroi (que, para cúmulo das confusões, alguns botânicos espanhóis acham que deveria ser uma espécie à parte).
Peço-lhe encarecidamente desculpa por este discurso aborrecido e confuso. A intenção do meu comentário original, acredite, era bem mais ligeira...
Na realidade, as pessoas são livres de lhe chamar carvalho-português, nem que seja para "provocar" os Quercus faginea dos nossos vizinhos espanhóis!
Cumprimentos.
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