14/04/2010

No fojo da serra



Culcita macrocarpa C. Presl

Hoje em dia, em Valongo, parece só sobrar ardósia: é essa a pedra que forma a ossatura da serra, e por isso não exige grandes escavações para ser extraída. Mas regista a história que na época dos romanos era o ouro o minério cobiçado por quem perfurava estes montes. Várias extensas galerias subterrâneas, em Santa Justa e Pias, ficaram como marcas desse labor remoto. Popularmente conhecidas como fojos, servem de esconderijo a animais e plantas para quem a serra invadida por eucaliptos se tornou inabitável. É irresistível o paralelismo entre os refugiados dos fojos e os cristãos nas catacumbas de Roma, mas falta saber se alguma vez em Valongo a vida à superfície voltará a ser possível.

O feto-do-cabelinho, acima retratado, ocorre na Madeira e nos Açores, onde é relativamente frequente em florestas, ravinas e prados naturais. No território continental português, porém, este feto só existe em Valongo, confinado a três poços de acesso a fojos; em cada um deles, os exemplares contam-se pelos dedos duma só mão. Felizmente a situação da espécie em Espanha não é tão desesperada, pois estão referenciadas várias populações no extremo norte da Península. Quanto a nós, imaginem que algum espeleólogo mais arrojado resolvia explorar estes buracos sem pedir licença a ninguém. Com doses iguais de temeridade e inconsciência, e algum azar à mistura, protagonizaria o último acto da vida destas plantas em Portugal continental: a erradicação.

O feto-do-cabelinho (Culcita macrocarpa) é uma planta perene, com grandes frondes bipinadas - próprias para serem fotografadas a uma distância respeitosa - de quase dois metros de comprimento. Uma única outra espécie, Culcita coniifolia, da América Central e do Sul, completa o género Culcita, que está integrado numa família (Dicksoniaceae) onde sobressaem vários fetos arbóreos muito prezados como ornamentais, como os que vegetam no Buçaco ao longo do vale dos fetos.

3 comentários :

Carlos P. P. disse...

Fico contente por descobrir, através do "origem das espécies", este blog. Sempre que me cruzo com uma árvore ou planta a minha ignorância invoca interrogações e concluo sempre que gostava de conhecer melhor o que me rodeia. Obrigado, serei um leitor atento.

Paulo Campos disse...

Olá, eu sou espeleólogo e percebo alguma coisa de plantas (modéstia à parte). Pedia humildemente o favor, a quem escreveu este texto, de se esclarecer sobre o que é "um espeleólogo". Talvez deva substituir no texto a palavra "espeleólogo" por "aventureiro inconsciente". Se não fossem os espeleólogos nem sequer saberia onde estão estas espécies já que foram espeleólogos que andaram a coloborar com os botãnicos na prospecção e identificação de espécies pelos fojos (eu fui um deles). Muito obrigado. PS.: também poderia dizer "um bombeiro", até é mais provável porque há mais bombeiros. E ainda mais provável seria "um escuteiro".

Paulo Araújo disse...

Sei muito bem que é um espeleólogo. Também sei o que é um biólogo, um geólogo, um matemático, um médico, um escuteiro ou um bombeiro. No texto escrevo "imaginem que" - o que, para quem sabe ler, indica que o que vem a seguir não está baseado em factos reais nem é uma apreciação da actividade dos verdadeiros espeleólogos. Na maioria das actividades humanas (até hoje eu pensava que eram todas, ainda bem que a espeleologia é uma excepção) é possível imaginar praticantes que nem sempre cumprem à risca os códigos de conduta.