Dryopteris azorica (Christ) Alston
É perfeitamente possível, e é mesmo a experiência mais comum do forasteiro, visitar os Açores sem nunca pôr os olhos em plantas açorianas. A paisagem dominante das ilhas, aquela que é reproduzida em cartazes e publicações turísticas, compõe-se de um mosaico de pastagens delimitadas por sebes de hortênsias (
Hydrangea macrophylla) e por matas de criptomérias. Tanto o arbusto como a árvore, ambos tão marcantes na iconografia açoriana, foram importados do Japão. E da Austrália veio a soberba araucária erguida como um mastro em jardins de vilas e cidades. O verde dos Açores parece natural, e é certamente repousante, mas quase todo ele é postiço, por ter sido moldado por mão humana. O verde original das ilhas, banhado em nevoeiro, acantonou-se em montes e ravinas inacessíveis e sem préstimo agrícola.
Desvalorizar por completo a vegetação introduzida é, contudo, uma atitude maniqueísta que convém rejeitar. O exótico e o autóctone interpenetram-se, e numa mata de criptomérias podem surgir boas amostras de plantas nativas ou mesmo endémicas. Há anos, escrevendo sobre a lagoa das Patas, na Terceira, disse que a única coisa que lá havia eram criptómerias, e que da vegetação própria da ilha só sobravam fetos. Regressando, anos depois, com um olhar mais educado, encontrei, nas margens do ribeiro, pequenas populações da
Tolpis azorica,
Sanicula azorica e
Myrsine retusa. E os fetos, que me envergonho de ter desdenhado e não são menos valiosos que as demais plantas, faziam-se representar pelo feto-pente (
Blechnum spicant), pelo feto-do-botão (
Woodwardia radicans), pelo feto-do-cabelinho (
Culcita macrocarpa) e pelo feto endémico que é hoje cabeça de cartaz,
Dryopteris azorica. Este último era mesmo o mais abundante, vicejando à sombra das criptomérias e formando um bonito sub-bosque numa inesperada plantação de bétulas.
Dryopteris azorica (Christ) Alston
Se o tufo de grandes folhas arqueadas e o formato das pínulas não deixam dúvidas sobre a inclusão deste feto no género
Dryopteris, já apontar-lhe a espécie requer alguns cuidados. Ajuda saber que o único outro feto existente na Terceira que se pode confundir com o
D. azorica é o
D. aemula, que é mais pequeno (frondes até 60 cm, contra 1,5 m ou mais do
D. azorica) e exibe, no pecíolo das folhas, escamas de um castanho claro uniforme, quando as da
D. azorica costumam ter o centro escurecido. Com a escolha assim reduzida a dois candidatos, a identificação é segura. Mas ver-nos-íamos atrapalhados, mesmo com o manual à mão e a lupa encaixada no olho, se tivéssemos, por exemplo, de distinguir o
D. azorica do
D. dilatata.
A principal razão para a complexidade do género
Dryopteris, com miríades de espécies que são pequenas variações de outras, é a facilidade com que elas se combinam para produzir novas espécies por poliploidia. O
Dryopteris azorica, que ocorre em todas as ilhas do arquipélago, também interveio nesse jogo, cruzando-se com o
D. aemula para dar origem a um outro endemismo açoriano,
D. crispifolia.