17/03/2010

Goivo engelhado


Matthiola sinuata (L.) R. Br.

As dunas são alojamento frágil, uma varanda que se move com o siroco impedindo que os inquilinos descansem no sofá. Um éden, porém, para os que se enfadam com a rotina e anseiam por aventuras no dorso remansoso de um camelo ou com uma cabrinha pela corda.

Há ainda poucas flores nas dunas. As da giroflée-des-dunes, perfumadas e de um matiz lilás invulgar, recordam-nos que estes potenciais desertos à porta não servem os piratas mas resguardam alguns tesouros. Mesmo sem flores, esta herbácea bianual da bacia mediterrânica e ilhas Canárias é vistosa. As folhas de margens onduladas (sinuatas) são obra de capricho que o veludo de uma lã espessa protege do efeito abrasivo da areia enquanto capta o vapor de água circundante. As flores não têm estilete, unindo-se as quatro pétalas num tubo longo adequado à polinização por borboletas.

Do naturalista italiano Pier Andrea Mattioli (1500-1577 ab incarnatione), a história guarda testemunhos contraditórios. Publicou, em 1544, uma tradução italiana, a partir do grego, de cinco volumes de De Materia Medica - obra de Dioscórides centrada no poder medicinal de numerosas plantas - que Mattioli enriqueceu com vastos comentários e reproduções de Giorgio Liberale, e a que juntou, em 1548, a tradução do sexto livro sobre remédios contra venenos. Uma obra que atingiu os 32 mil exemplares vendidos, numa altura em que era prodigioso esgotar-se uma edição de 500. A fama rendida por tal feito trouxe ao autor o mecenato do então imperador da casa da Aústria, o contributo de outros botânicos que de boa vontade lhe cederam exemplares para estudo, e a direcção do Jardim Botânico de San Marco, em Florença. Mas, enquanto à sua volta se aferiam dados e experiências que viriam a conduzir a uma abordagem científica da flora (liderada por Andrea Cesalpino), desligando a sua importância da eventual utilização, Mattioli manteve-se alheio a este esforço e essa é a censura mais pertinente à sua contribuição. Esquivo à mais fina garoa e eterno promotor pessoal, enredou-se em querelas e actos de vingança aos detractores dos seus textos e desenhos. Era determinado mas arrogante, por isso negligente e sujeito a enganos embaraçosos: chegou a publicar uma representação invertida de uma planta que nunca vira, com base numa mera descrição oral; e a destruir, por descuido, colecções preciosas. Morreu num surto de peste que nenhum dos remédios descritos nas suas obras pôde debelar.

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