12/03/2010

O vento e os salgueiros

Salix atrocinerea Brot.
[em cima os amentilhos femininos, em baixo os masculinos]
As árvores europeias mais comuns não se destacam pela floração vistosa. Muitas delas confiam ao vento o trabalho de polinizar; e, como ele não é caprichoso e faz o serviço de graça, não há razão para tentar seduzi-lo. As flores masculinas surgem em cachos pendentes e flexíveis — os amentilhos — que foram feitos para dançar ao vento, largando o pólen enquanto se saracoteiam. As flores femininas, por seu turno, quase não se vêem: basta que estejam lá, abertas para receber esse pó fecundo que tantas alergias nos provoca. Carvalhos, bétulas, avelaneiras e amieiros, todos eles optaram por esse modo de reprodução que dispensa a ajuda das abelhas e de outros insectos diligentes.

À primeira vista, os salgueiros (género Salix) fariam igualmente parte do clube das árvores auto-suficientes. Afinal, as suas flores também vêm dispostas em amentilhos, e não são particularmente chamativas nem pela cor nem pelo cheiro. Existem, porém, duas diferenças cruciais: os amentilhos não são flexíveis, e há-os de dois tipos, masculinos ou femininos. É que os salgueiros são dióicos, querendo isto dizer que há árvores dos dois sexos, cada qual com o seu tipo de flor. Os amentilhos masculinos não se balançam ao vento, e os femininos não se esforçam por passar despercebidos. A revelação de que os salgueiros são polinizados por abelhas e mariposas não surge assim como surpresa. E há recompensas para garantir que os bichos cumprem a tarefa de bom grado, pois tanto as flores femininas como as masculinas estão equipadas com nectários. Tirando isso, umas e outras adoptaram um formato minimalista: as masculinas são quase só estames, e as femininas reduzem-se aos ovários.

A dispersão das sementes é a fase do ciclo de vida dos salgueiros em que eles pedem ajuda ao vento. Para melhor esvoaçarem, as diminutas sementes vêm envolvidas por pêlos sedosos. É o contrário do que sucede com os carvalhos: embora eles sejam polinizados pelo vento, as bolotas que produzem nada têm de aerodinâmico. E há ainda outras árvores, como os choupos e os plátanos, que usam os bons ofícios do vento em todas as fases da sua propagação.

Com a sua copa baixa e arredondada, o salgueiro-preto (Salix atrocinerea) é um dos salgueiros mais abundantes no nosso país, formando bonitas galerias ao longo de rios e de outros cursos de água. É também, por florir precocemente, uma importante planta melífera numa altura do ano em que são escassas as flores. Já o tínhamos mostrado em Santo Tirso acompanhando as curvas do rio Ave. Corria então o mês de Fevereiro e a floração estava no auge, mas agora que Março vai embalado já não sobram muitos dias para ver o espectáculo. Uma observação atenta de uma fiada destes salgueiros permite, mesmo ao longe, diferenciar o amarelo das copas masculinas do verde das femininas.

As fotos de hoje foram tiradas na freguesia do Campo, em Valongo, ao fundo de uma elevação onde se instalou uma grande pedreira para extracção de xisto. Curiosamente, os salgueiros não colonizaram as margens do rio Ferreira, mas apenas as de um magro ribeiro — pouco mais que um fio de água, inteiramente escondido pelas árvores — que nele ali desagua.

9 comentários :

Anónimo disse...

Paulo, tenho um recado para si.
No Jardim Botânico de Coimbra, nesta primavera, irão nascer sininhos azuis (hyacinthoides hispanica), os nossos equivalentes aos common bluebells britânicos. Não são um tapete vasto como os que encontramos nos velhos bluebell woods, mas encontram-se de boa saúde, discretos e daqui a um mês, ou pouco mais, irão florescer para os atentos aos cantinhos escondidos do jardim. Procure-os por baixo dos áceres japónicos. Mas não diga nada a ninguém, Paulo. Não quero ir preso por plantar flores (nativas) num jardim (público)...

(trouxe-os de um bosque e plantei-os no lugar onde pedi em namoro a pessoa que amo)uncterm

Paulo Araújo disse...

Foi uma óptima ideia sua essa de passar à acção directa. Em Inglaterra queixam-se de que esses sininhos hispânicos estão a contaminar os bluebells autóctones. Por acaso, são tão bonitos uns como outros. Espero que esses sininhos clandestinos, bravos e solitários representantes da nossa flora espontânea, durem muitos anos no jardim. E é tão simples: basta que ninguém os arranque por achar que são ervas daninhas (conceito disparatado em jardinagem).

Armando Alves disse...

Boa tarde,

Ontem ao passar pela Faculdade de Economia da UP, tomei conhecimento do abate de árvores que lá ocorreu, penso serem populus nigra.
As árvores eram de um porte considerável. Infelizmente não tenho fotografias do sucedido.

Tem alguma informação sobre as razões, que originaram o abate?

Cumprimentos

AAA

Rúben Silva disse...

Adorei o post! Já há algum tempo que andava com dificuldades em identificar uns salgueiros que nasceram no meu terreno. Pensei que fossem espécies diferentes, por causa das flores, mas agora percebo que são a mesma.

Obrigado e continuem o excelente trabalho!

Luz disse...

Lindo!!!
Luz

Paulo Araújo disse...

Não sabia desse abate na Faculdade de Economia, mas não é o primeiro que ocorre nessa área da cidade. Sem conhecer as razões do sucedido, é difícil dar uma opinião, mas um caso destes é sempre triste. Espero é que os abates sejam compensados com novas árvores - coisa que, de facto, não tem sido a regra.

bettips disse...

Poemas e árvores podem ainda salvar o mundo... como dizia o poeta!
Mesmo as que escolhem a humildade dum pequeno ribeiro, tal como as palavras-poema na margens de alguns.
Abçs

Ana Gabriela A. S. Fernandes disse...

Paulo

Gostei muito deste post. Árvores e vento são uma combinação poética.
Gostava de replicar este post n' as_coisas_essenciais do Sapo. Posso?
Ana
http://as_coisas_essenciais.blogs.sapo.pt/

Paulo Araújo disse...

Ana Gabriela:
Esteja à vontade para transcrever o texto para o seu blogue. Já agora, o título é uma modificação de O vento nos salgueiros, um muito popular romance para crianças do inglês Kenneth Grahame.