02/09/2010

Saudades para a Dona Genciana

Gentiana pneumonanthe L.


Espero pelo verão como quem espera por uma outra vida, diz Ruy Belo. Pelo contrário, para as lagoas de Ponte de Lima, os dias quentes do nosso repouso e novas errâncias são um ensaio da morte. Desde que em 1995 drenaram os canais de escoamento de água — para responder às queixas de quem lavra ou pasta nos campos próximos, que se encharcavam no Inverno — as lagoas quase desaparecem no período estival. Como se deveria ter previsto, a vegetação que era usual encontrar com os pés na água, alguma de natureza excepcional, vive (se é que ainda vive) dias aflitos. Por exemplo, os folhetos de informação relatam que já se registou a presença na lagoa do Mimoso de exemplares do género Utricularia; mas com a lagoa seca, tal como a vimos, a planta dificilmente sobrevive.

Como sempre, há quem ganhe com a desventura dos outros. A bela Gentiana pneumonanthe gosta precisamente destes relvados moderadamente húmidos com solo ácido; e, apesar de as fotos serem de exemplares da serra do Gerês, vimos há poucos dias muitos mais nos terrenos incultos adjacentes às lagoas. Esta herbácea vivaz rizomatosa tem folhas lineares opostas, de cerca de 3 cm de comprimento, que abraçam um caule de altura variável: as plantas do Gerês são baixinhas, as de Ponte de Lima ultrapassam frequentemente os 60 cm. As pétalas, de uns 5 cm, pintalgadas de dourado e plicadas, formam um tubo azul com cinco faixas verdes no exterior; rodeiam cinco estames e um estilete curto com néctar na base. Está na lista de plantas vulneráveis em vários habitats, alguns da Península Ibérica. Num projecto alemão que selecciona uma flor por ano para incentivar o apreço pelas plantas silvestres, o cálice-da-aurora foi a primeira a ser escolhida.

A maioria das cerca de quatrocentas espécies do género Gentiana distribuem-se pelas regiões temperadas da Europa, América e Ásia, preferindo prados de montanha se lhes calha viver em zona mais quente. Em Portugal, além da nortenha G. pneumonanthe, ocorre a G. lutea L., natural do centro e sul da Europa. Se esta genciana esguia de flores amarelas já existiu em todo o território aqui referenciado (o que parece improvável), agora só a podemos admirar na serra da Estrela; e tem já destaque garantido no livro vermelho das plantas ameaçadas, quando ele for publicado. Parte da culpa cabe ao rei Gentius da Ilíria, região dos Balcãs actualmente dividida por vários países (Albânia, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Montenegro e Sérvia), a quem se atribui a descoberta de virtudes medicinais nas raízes da G. lutea, ainda hoje utilizadas para aromatizar e tonificar bebidas.

3 comentários :

Unknown disse...

Cara Maria Pires de Carvalho e Paulo Araújo!

Que bom já estarem de regresso! Confesso que uma visita ao diascom arvores há muito que faz parte do meu ritual diário.
Sobre a Gentiana pneumonanthe L.,encontrámos vários exemplares nas Lamas d´Olo (Parque do Alvão ), na Sexta passada, numa Visita da Ciência Viva de Verão.Curiosamente observámos em alguns exemplares da Genciana ovos de Maculina alcon e várias borboletas( cujo ciclo de vida depende desta flor e da formiga Myrmica.
As vossa fotos são belíssimas!
Até amanhã...

MD

Maria Carvalho disse...

Tem razão, por vezes esquecemos que a extinção de uma planta não é só um dano estético na paisagem. Uma tal desgraça compromete sempre a sobrevivência de outras espécies, numa cadeia de perdas irrecuperáveis. Por isso é que o poder de decisão sobre questões do ambiente só deveria ser entregue a quem saiba muito sobre a natureza. Até amanhã.

ptg disse...

Uma pequena correcção: o problema da Utricularia não é a secura da lagoa mas sim os gulosos lagostins-americanos, que a devoram vorazmente. Curiosamente, com o fecho da comporta responsável por manter a água em permanência nas lagoas, os problemas da Utricularia aumentaram, a ponto de quase terem desaparecido das lagoas (sobrevivem nos locais que secam no Verão, onde onde os lagostins não se aventuram muito).

Fora isto, os meus parabéns por um blogue muito bem conseguido