Traço amarelo contínuo
Ononis ramosissima L.
Os portugueses mantêm uma relação distante com o código da estrada: sabem que existe, mas preferem ignorar o que diz. Quando o código balbuceia alguma tímida proibição, mandam-no cantar para outra freguesia — isto se chegarem a ouvir-lhe o canto. É provável até que, ouvindo-o, não o saibam interpretar. Tais portugueses (refiro-me aos outros, não a mim nem a si, estimado leitor) teriam dificuldade em captar o trocadilho que dá título ao texto. Impõe-se, pois, uma breve explicação. Aquelas linhas amarelas que existem em algumas ruas junto aos passeios não indicam (ao contrário do que a prática geral dos automobilistas e a complacência da polícia fazem crer) estacionamento livre e gratuito. Muito pelo contrário, assinalam locais onde é proibido estacionar. Se o traço for descontínuo, pode-se parar mas não estacionar; se for contínuo, não é sequer permitido parar.
Que pensar então da linha amarela tendencialmente contínua que enfeita a estrada atlântica entra a Praia da Vieira e São Pedro de Moel? Por exceder a espessura regulamentar, talvez ela traduza uma proibição ainda mais severa do que a da simples paragem. Mas é difícil, a um amador de botânica, acatar uma ordem dessas sem antes averiguar da índole claramente vegetal de tão vistosa marca rodoviária. Lá se aproveitou um aceiro para encostar o carro e toca a recolher amostras fotográficas para posterior análise em laboratório caseiro. E houve tempo também para confirmar que esta é, em muitos sentidos (olfactivo, visual, táctil e — se contarmos com as camarinhas — gustativo), uma das melhores estradas do país.
Efectuadas as análises, ficámos a saber que o traço amarelo da estrada atlântica é produzido pelas flores de uma planta, Ononis ramosissima, que é a versão em tamanho grande de uma herbácea dunar que nos visitou a semana passada. Trata-se de um arbusto muito ramificado, com uns 60 cm de altura, que floresce com abundância de Abril a Junho e, de forma mais esparsa, também no resto do ano. Normalmente está confinado a falésias e dunas costeiras, mas nesta região do centro do país aparece a algumas centenas de metros do mar. Além de ser nativo de Portugal, o Ononis ramosissima ocorre de ambos os lados da bacia mediterrânica, de Espanha à Grécia e de Marrocos a Israel.
3 comentários :
Post amarelo e delicioso
Também eu já presenciei surpreendido esta delícia amarela. Só não tinha conseguido identificar o espécime...
Cumprimentos.
Fotografias excelentes,como sempre.
Cordialmente,
mário
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