09/09/2010

Elegância no parque de estacionamento

Linaria elegans Cav.
Há tempos, propusémos que os postes e muros feios das cidades, construções recentes mas descascadas ou invadidas por grafitos, recebessem mantos de plantas viçosas que escondessem a deselegância e a inconveniência. Não é só pela mão de Patrick Blanc que as plantas sobem pelas paredes. A mesma solução serve para os desertos de cimento que encimam ou bordejam os sumptuosos parques de estacionamento — quase sempre vazios — que, por obra do progresso, usurparam algumas belas praças do país. Para a escolha das espécies vegetais, aqui deixamos uma sugestão.

Há cerca de 150 espécies no género Linaria, distribuídas pela Europa temperada, Norte de África e centro-oeste da Ásia, sendo a maioria natural da Península Ibérica, com uma orgulhosa percentagem lusa. O que, ponderemos, não é surpresa. Estas plantas anuais não exigem, em geral, demasiados nutrientes do solo; por exemplo, a da foto, natural do norte de Portugal e Espanha, prospera em torrões secos, ácidos e pobres. Enfim, como sempre, há caprichos e algumas populações estão em declínio, seja por falta de argila, de xisto ou de calcário. Contudo, a grande maioria parece beneficiar da existência de lugares abertos, rochosos, soalheiros e sem competidores. Ora, clareiras nos matos e pastos carecas em bosques são algumas das nossas especialidades a que a rotineira e incendiária limpeza florestal de Verão garantem perenidade.

Dando argumentos à afamada arquitectura citadina dos lajedos sem rodriguinhos, que não nega aos automóveis a justa primazia, algumas plantas vão mais longe no seu apreço pelos nossos rituais de apropriação do mundo, despontando nas fendas do macadame que reveste os lugares de estacionamento. Encontrámos estes exemplares de Linaria elegans num desses espaços de piso britado para dezenas de viaturas em Pitões das Júnias, uma aldeia situada a 1200 metros de altitude e dentro do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

As variações morfológicas no género Linaria tornam árdua a tarefa de identificar as espécies, muitas vezes bem sucedida apenas na presença de flores e sementes maduras. Não porém neste caso. As flores, cujo cálice é formado por cinco sépalas desiguais esbranquiçadas ou tingidas de cor malva, têm o formato típico das linárias (corola de pétalas unidas num tubo com dois lábios, o superior de duas pétalas, de entrada protegida por uma bossa no lábio inferior e que termina num esporão longo (~14 mm) recheado de néctar), mas as pétalas superiores são notórias e lembram as orelhinhas alçadas de um burro. [Apesar de tudo, esta herbácea prefere a ruralidade genuína.] A haste floral é penugenta e a planta tem folhas de dois tipos: as dos ramos férteis são lineares e alternas, as dos estéreis são lanceoladas, dispondo-se as basais em verticilos de 4 ou 5.

Se não podemos sombrear com árvores os tectos despovoados dos parques subterrâneos — as raízes poderiam corroer a solidez da construção —, por que não revesti-los com uma colecção de linárias portuguesas, que condescendem em mostrar-se ao olhar rasteiro de quem vê o mundo pela janela do carro?

1 comentário :

Anónimo disse...

It's wonderful!