16/09/2010

Dois passarinhos na mão

Kickxia cirrhosa (L.) Fritsch
Desconfiámos da folhagem porque parecia um cirro pouco abonado que tivesse despencado das nuvens e onde mal se distinguiam, como é usual nestas formações estratosféricas, uns pingos violeta. Quando fotografados, revelaram-se linárias minúsculas, com esporõezinhos a preceito. Não, não, disseram pouco depois os livros em casa: isso já lá vai, foram linárias entre 1789 e 1897. Com atenção, mesmo sem avaliar diferenças mais intrincadas, teríamos percebido porquê: estas flores são solitárias e as linárias nascem em inflorescências, em geral terminais ou axilares. Paciência, aprendamos então.

É uma herbácea anual de ramos delgados e pubescentes. As flores, de Primavera, medem cerca de 7 mm desde o lábio superior à ponta do esporão. Repare o leitor que as folhas são sagitadas e algumas têm gavinhas — ou cirros — que as podem erguer até 90 cm. Aprecia solos arenosos mas temporariamente encharcados, mais ainda se perto do mar, como as margens da Lagoa da Vela, em Quiaios. Segundo a Flora Ibérica, é nativa da região mediterrânica ocidental, Açores, Canárias, metade sul da Península Ibérica e ilhas Baleares. O nome do género homenageia um boticário e naturalista de Bruxelas, Jean Kickx (1775-1831), autor de uma obra sobre a flora dessa região.

Kickxia spuria (L.) Dumort.
Quando, semanas depois, encontrámos estes pardais amarelos de papo lilás — igualmente axilares mas comparativamente gigantes com os seus 15 mm de comprimento —, ouviu-se um sorridente «são quíquecias!». Também é uma planta anual, mas prefere solos cultivados e argilosos. A lã nas folhas pareceu suficiente para um casaco XS mas ao tocá-la, tão fofinha, revelou-se desagradavelmente pegajosa. O hábito rastejante e preguiçoso foi louvado pelo fotógrafo e é comum à espécie K. elatine, que difere desta essencialmente no esporão que não é curvo. Por falar nisso, spuria não deriva do inglês spur (espora) mas do latim spurius (que originou espúrio), por isso o povo sábio lhe chama linária-bastarda. Partilha o território com a K. cirrhosa, mas estende-se a quase toda a Península Ibérica, Mediterrâneo, sul e oeste da Europa e sudoeste da Ásia.

1 comentário :

Unknown disse...

É extraordinário o que descobrem!Apetece parafrasear Rubem Alves:
" A primeira tarefa da educação é ensinar a ver...é através dos olhos que as crianças tomam contacto com a beleza e o fascínio do mundo..." e " Os olhos têm de ser educados para que a nossa alegria aumente".
Neste contexto a Maria Carvalho e o Paulo Araújo são nossos excelentes PROFESSORES. OBRIGADA!
Até amanhã para me maravilhar...
MD