À sombra do viaduto
Cada grande descoberta traz consigo muitas pequenas descobertas. E essa lei não é só válida na investigação científica, mas também em actividades prosaicas como a de andar à procura de plantas raras. Em busca do pinheiro-baboso revirámos Valongo de alto a baixo, visitando lugares que de outro modo nunca teríamos conhecido — e que, valha a verdade, andam longe da beleza impoluta que faz a atracção dos espaços naturais. No meio dos intermináveis eucaliptais há porém resquícios da vegetação que outrora cobriu estas serras: são como metais preciosos esquecidos num armazém de ferro-velho. Um estreito regato, agora seco, alimenta um prado húmido de uns poucos metros quadrados à margem de um caminho: tanto basta para que se reúnam em assembleia plantas tão interessantes como o Hypericum elodes, o Cirsium filipendulum, a Anagallis tenella, a Gentiana pneumonanthe, a Wahlenbergia hederacea e vários Myosotis. E nem mesmo o monte de entulho que sobrou da construção do viaduto pode ser ignorado. Afinal, um dos últimos avistamentos do Drosophyllum lusitanicum por terras de Valongo deu-se num desses habitats artificiais criados pelo desmazelo humano.
A população de D. lusitanicum que por fim encontrámos não tinha entulho nem outros lixos por perto, o que talvez seja consolador. Mas a visita ao entulho à sombra do viaduto também nos trouxe algumas recompensas. Foi lá que vimos esta leguminosa alta (1 a 2 metros de altura), com longas espigas de minúsculas flores brancas, a que os ingleses chamam trevo-doce. E não há como escondê-lo: o Melilotus albus sentia-se em casa, pois é de lugares degradados pela acção do homem que ele gosta. (As plantas com tais gostos depravados designam-se eufemisticamente por ruderais.)
Apesar disso, o Melilotus albus, que é espontâneo em grande parte da Europa, é uma planta com boa reputação: é muito melífera; cultiva-se para forragem; e, sobretudo depois de seca, exala um perfume a relva acabada de cortar.
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