21/09/2010

Confraria das sombras

Neottia nidus-avis ( L. ) Rich.


Monotropa hypopitys L.
As duas linhas de fotos poderiam ser usadas num daqueles passatempos de jornal em que se pede ao leitor para descobrir diferenças, dos de dificuldade baixa se na segunda linha houvesse flores frescas. Na verdade, as flores da Monotropa não têm o capuz característico das orquídeas e, quando nascem, a haste apresenta-se inclinada, acabando depois por endireitar o pescoço enquanto elas murcham. Mas a confusão entre as duas é desculpável porque apreciam o mesmo tipo de habitat: bosques antigos, temperados, sombrios e húmidos, com caducifólias (especialmente faias ou castanheiros) e uma espessa manta de matéria vegetal em decomposição, propícia aos fungos de que ambas dependem. É que, por não terem folhas verdes, elas não têm capacidade de fotossintetizar.

Quem avista uma sem a outra ao lado repara no porte erecto, na cor acastanhada de cogumelo cozido, no caule com cerca de 20 cm de altura revestido por umas bainhas transparentes, no jeito parasita — e crê ter encontrado a orquídea, que é rara, consta de várias listas de plantas à beira da extinção e em Portugal só está referenciada em dois ou três locais. Quando a vimos, a dezena de exemplares parecia seguir uma linha recta, provavelmente uma raiz da árvore que os escondia da luz, e confirmar a propagação vegetativa que a beneficia nestes ambientes. Cada caule corresponde a um rizoma rodeado por um denso ninho de raízes (neottia e nidus-avis aludem ambos a esta morfologia); depois da floração, a parte aérea seca mas as raízes continuam a espalhar-se, e no ano seguinte fazem emergir novas plantas.

A Neottia nidus-avis é uma orquídea que ocorre na Europa, Norte de África, oeste asiático e Sibéria. Não engana os polinizadores, moscas atraídas pelo aroma a mel e que nela recolhem farto néctar, mas parece ludibriar os fungos. É através deles que retira carboidratos à árvore que, hospedeira dos fungos, é recompensada com minerais que estes lhe servem. Deste modo, a planta defende o seu bom nome (ladrão que rouba a ladrão...) e sai da classe das saprófitas uma vez que parasita fungos vivos. Sabe-se que protege alguns orgãos com uma substância fungicida, mas não é ainda claro o que ganha o fungo intermediário do negócio, embora estudos recentes indiquem que há transferência de carbono da orquídea para o fungo.

Cada flor tem ao centro seis pontos minúsculos sensíveis que, mal tocados pelo bicho, accionam o alarme que faz uma bisnaga de cola expelir uma gota e abrirem-se os sacos de pólen, que logo adere à cabeça do insecto. Na falta destes, autopoliniza-se, podendo mesmo fazê-lo enquanto subterrânea.

3 comentários :

ZG disse...

A Neottia nidus-avis também existe na Serra do Açor?

Paulo Araújo disse...

A Neottia nidus-avis foi fotografada no Buçaco. Há boatos da sua presença na Mata da Margaraça, mas não têm grande fundamento; provavelmente resultam de confusão com a Monotropa hypopitys, que realmente existe por lá.

ZG disse...

Obrigado pelo esclarecimento! Também se encontra em Bragança, nos carvalhais, a Neottia!