Feto limonado
Os fetos não dão flores e de um modo geral não querem comércio com insectos, e por isso seria despropositado que se fizessem anunciar pelo cheiro. Acontece que o Oreopteris limbosperma — um feto de médio porte com folhas de 50 a 70 cm de comprimento — cheira mesmo a limão, o que é um modo de o distinguirmos de espécies aparentadas como o Thelypteris palustris e a Christella dentata. Não se trata, contudo, de um daqueles perfumes intensos que nos agarram pelo nariz, até porque ele só se manifesta quando esfregamos as folhas com os dedos. Na verdade, o teste olfactivo só serve como tira-teimas e não dá qualquer ajuda na detecção da planta.
Em território português, o feto-limonado só ocorre na Madeira, no Pico e nas Flores, e ter-se-á extinguido no Faial. Nas mesmas ilhas aparece também a Christella dentata: como os dois fetos têm porte e aparência semelhantes, e ambos frequentam recantos sombrios e com forte humidade, põe-se o problema de os destrinçar sem a ajuda do olfacto. De facto, tal problema só se coloca nos meses de Verão, pois o Oreopteris limbosperma tem folhagem caduca, que seca e desaparece no Outono, e só começa a desenvolver folhas novas com a Primavera adiantada. Os caracteres diferenciadores entre as duas espécies são visíveis à vista desarmada, mas a lupa é sempre boa ajuda. A Christella dentata tem a ráquis penugenta, enquanto que a do Oreopteris limbosperma é glabra; neste os soros dispõem-se junto à margem das pínulas (daí o epíteto limbosperma), mas naquela apresentam-se bem afastados; finalmente — coisa que se observa melhor a contraluz — na C. dentata a venação das pinas forma uma rede contínua, mas no O. limbosperma ela é quebrada entre cada pínula e a seguinte (ver foto 5). Outro feto da mesma família também presente nos dois arquipélagos e com preferências ecológicas semelhantes é o Stegnogramma pozoi (feto-de-Pozo), mas aí as diferenças são tão vincadas que só os desatentos poderão fazer confusão. Sublinhe-se, em qualquer caso, que as frondes do feto-de-Pozo são pendentes (as dos outros dois são mais ou menos erectas) e que os seus soros são lineares, desprovidos de indúsio (em contraste, tanto a Christella como o Oreopteris têm soros arredondados).
Deve admitir-se que, por culpa da raridade do Oreopteris limbosperma e destes seus parentes próximos, o receituário anterior terá fraco uso mesmo para os afortunados que vivam nas ilhas ou as visitem com assiduidade. O Stegnogramma pozoi, apesar de ter presença assinalada em quase todas as ilhas açorianas, pouquíssimas vezes é observado; e o Oreopteris limbosperma, ao que consta ainda frequente nas zonas altas da ilha das Flores, sofreu, nas últimas décadas, um recuo acentuado no Pico (onde, em Agosto, o vimos num único local) com as desmatações para expansão das pastagens.
É sabido como as ilhas atlânticas serviram de porto de abrigo para a vegetação que a época glaciar fez desaparecer de grande parte do continente europeu. Na Península Ibérica, os locais onde essas plantas puderam sobreviver funcionam hoje como sucursais da vegetação macaronésia. Viajar pela Cantábria pode ser um pouco como viajar nos Açores, pois se soubermos onde procurar reencontramos velhos conhecidos como o feto-do-botão (Woodwardia radicans) e o feto-do-cabelinho (Culcita macrocarpa). Também o Oreopteris limbosperma e o Stegnogramma pozoi têm um pé nas ilhas e outro na Península, mas as proporções invertem-se: ao contrário dos dois anteriores, são muito mais frequentes no extremo norte de Espanha (e, mais geralmente, no norte da Europa) do que nos Açores. Talvez o porto de abrigo no Atlântico tenha sido para eles uma contingência temporária — não mais do que umas poucas centenas de milhares de anos — e agora que o bicho homem apareceu em cena está na hora de voltar para casa.