21/10/2011

Salsa da neve


Cryptogramma crispa (L.) R. Br. ex Hook.


Poderá parecer que andamos crispados, razões não faltam, mas não: é por coincidência que, em dois dias seguidos, o epíteto específico da planta na vitrine seja crispa. Na de hoje alude provavelmente ao seu aspecto de salsa, tal como parsley fern, nome comum para as plantas deste género. Atente o leitor na quarta foto: vêem-se as dobras nas margens das pínulas que, como se fossem indúsios, protegem os soros lineares (que dão esporos amarelos e se formam entre Junho e Novembro). É esta peculiaridade que dá nome ao género: crypto deriva do grego kryptos, escondido, e gramma de gramme, linha.

Não foi contudo este o detalhe que primeiro notámos quando observámos uma população na serra da Estrela — o único lugar conhecido em território português onde este feto ocorre, como se só lá existissem as fissuras em rochas ácidas, acima dos 1400 m e cobertas por neve em grande parte do ano, que este feto exige (e tolera, pois tem um rizoma ramificado). Além da cor verde-alface-fresca (não por acaso, Lineu, em 1753, designou-a por Osmunda crispa), saltaram-nos logo à vista os dois tipos de frondes, as férteis — douradas, frisadas, estreitas, com 10 a 30 cm de comprimento — e as estéreis, externas, um pouco menores, de pínulas arredondadas e muito menos divididas. Tão diferentes que pareciam pertencer a dois fetos distintos entrelaçados.

É nativa da Europa e oeste da Ásia. Na Península Ibérica, onde só se conhece uma espécie de Cryptogramma, ela restringe-se às montanhas da metade norte e à serra Nevada. O recanto precioso, a que agora chamamos Alexandria, com uma dezena de exemplares bem desenvolvidos, foi descoberto pelo Alexandre Silva (do CISE).

20/10/2011

Na serra a contar botões

Jasione crispa (Pourr.) Samp.

Na falta de novas espécies para descobrir, um botânico especializado na flora europeia não tem outro remédio senão dar novos nomes a espécies já há muito conhecidas. Entenda-se, porém, que este jogo não pode ser praticado de modo arbitrário, pois uma das regras da taxonomia botânica impõe que a primeira descrição publicada de uma dada planta é a que vale. Mesmo que o nome original resulte de um equívoco (como sucede, por exemplo, com o Cupressus lusitanica, que não é português mas sim mexicano), ninguém tem direito a mudá-lo só por essa razão. Mas já é legítimo propor uma nova designação se se descobrir, por exemplo, que uma planta que se julgava pertencer a uma certa espécie é na verdade diferente daquela à qual esse nome primeiramente se aplicou. Dentro daqueles géneros botânicos em que as fronteiras entre espécies estão mal definidas, existindo múltiplas formas que exibem caracteres intermédios entre duas ou mais espécies, o jogo de recombinações é potencialmente interminável, e é raro encontrar dois especialistas que tenham a mesma opinião.

O género Jasione é um dos mais problemáticos na Península Ibérica. A espécie mais comum de norte a sul do país é a J. montana: é esse o botão-azul que floresce durante toda a Primavera e Verão e enfeita prados, montanhas e bermas de estrada. Nas dunas do litoral norte aparece uma versão mais compacta e rasteira da mesma planta: trata-se da J. maritima, que em tempos foi considerada uma simples variedade da J. montana. Subindo às montanhas do norte e do centro, o caso complica-se, pois há registo de duas espécies, J. crispa e J. sessiliflora, que vivem a altitudes elevadas em fissuras de rochas ou em cascalheiras. A distinção entre as duas é problemática, e João do Amaral Franco, na Nova Flora de Portugal, considera a segunda como subespécie da primeira. Das quatro subespécies de J. crispa que Franco enumera, o revisor do género Jasione na Flora Ibérica só mantém a subespécie mariana; mas, para compensar, cria três novas subespécies. Na opinião de Franco, as plantas da serra da Estrela seriam justamente J. crispa subsp. mariana; contudo, de acordo com a Flora Ibérica, tal subespécie não existe em Portugal; a única que por aqui há, e precisamente na serra da Estrela, é J. crispa subsp. crispa. Para enredar ainda mais o trama, Jan Jansen, no seu Geobotanical guide of the Serra da Estrela (2002), fala da J. crispa subsp. centralis, de que nenhuma das outras duas obras de referência dá notícia.

Parece pois avisado abstermo-nos de emitir opinião sobre o assunto. A planta acima retratada deve ser a Jasione crispa, mas é preferível não arriscarmos qual a subespécie. Pode até dar-se o caso de ser a Jasione sessiliflora, pois, contrariando a opinião de Franco, há quem sustente que essa espécie ocorre na serra da Estrela. Porém, os caracteres morfológicos que é possível observar nas fotos (em particular a forma e a disposição das brácteas florais) apontam mais para J. crispa. Em ambas as espécies as raízes são lenhosas e as rosetas de folhas formam almofadinhas compactas que ajudam a resguardar a planta do frio, do vento e da neve.

19/10/2011

Amarelo de tingir

Serratula tinctoria L.


Nomes vulgares: serrátula-dos-tintureiros, saw-wort
Ecologia e distribuição: bosques, prados húmidos, turfeiras; em toda a Europa desde a Península Ibérica até à Rússia, estendendo-se até à Ásia central e incluindo ainda a Argélia
Distribuição em Portugal: noroeste e interior centro
Época de floração: Agosto a Outubro
Data e local das fotos: Agosto de 2011, junto à ribeira do Forno, na serra do Gerês
Informações adicionais: planta vivaz, que fornece um pigmento amarelo outrora usado em tinturaria, pode atingir um metro de altura e exibe vários capítulos florais em cada haste; escassa e vulnerável no nosso país, é uma espécie de morfologia variável, o que levou ao reconhecimento de várias subespécies, das quais só uma (Serratula tinctoria subsp. seoanei (Willk.) M. Laínz) está assinalada em Portugal

18/10/2011

Nuvem de algodão

Visitámos esta turfeira no início da Primavera à procura de flores de Menyanthes trifoliata. No ano anterior eram tantos os pés de três folhas que antevíamos uma floração exuberante. Mas não havia sinais de flores, e o nível da água estava ainda alto. Em Maio, regressámos. E de longe, da estrada esburacada que nos leva, e ao gado, até à terra escura e pantanosa, era este o cenário.



Corremos, claro, de galochas postas e olhar preso a esta nata branquinha como se ela fosse efémera e, num segundo de descuido, se volatilizasse. Não eram porém as flores da faveira-de-água que estendiam o tapete branco, embora numa das fotos se lhe vejam as folhas, mas as de uma planta vivaz semelhante ao junco. Possui ela flores revestidas por densos anéis de fibras brancas, cada qual com cerca de 5 cm de comprimento, que lhe dão este aspecto algodoado e justificam o nome científico Eriophorum (do grego erion = lã, e phoron = que produz).

Eriophorum angustifolium Honck.
É uma herbácea rizomatosa com cerca de 75 cm de altura. As folhas são estreitas (3-5 mm de largura), daí o epíteto angustifolium. A inflorescência é terminal, protegida por brácteas e formada por uma espigueta solitária ou por meia dúzia delas; as flores são hermafroditas e nascem num invólucro feito de glumas acastanhadas com margens transparentes, em arranjo helicoidal. Os frutos são aquénios diminutos e pardos, com restos da barbicha branca.

Vive mergulhada na água e prefere solos ácidos de sítios paludosos de altitude. Subcosmopolita, está presente em grande parte da Europa, América do Norte e Norte da Ásia. Em território português, há registo dela na Beira Alta (serra da Estrela), em Trás-os-Montes e no Minho. A Flora Ibérica lista mais três espécies de Eriophorum para a Península, mas só o E. angustifolium ocorre por cá. Embora alguns manuais indiquem que floresce de Julho a Agosto, está visto que, em alguns lugares, ela se adianta uns dois meses.

17/10/2011

Erva-salgueira em versão XL

Epilobium hirsutum L.
Há plantas que, por não serem frequentes ou por não terem utilidade óbvia, nunca suscitaram a atenção do povo e por isso nunca receberam nome vernáculo. Até que chega alguém preocupado com a lacuna e, fazendo-se passar por povo, inventa uns nomes estapafúrdios a que chama "nomes comuns". Essa obra apócrifa é de fácil detecção, pois atribui às camadas populares uma erudição botânica deveras surpreendente. Exemplo ilustrativo é fornecido pela planta de hoje, que seria popularmente chamada de epilóbio-eriçado. Somos pois convidados a acreditar que o povo, além de conhecer a designação científica das plantas, ainda tem umas luzes não despiciendas de latim e de morfologia vegetal. Que nos perdoe quem prossegue tal obra de exaltação da sabedoria popular, mas nós não caímos nessa. E há ainda a questão de a palavra epilóbio, posto que bem sonante, não evocar nada de conhecido. O verdadeiro povo iria estropiá-la e torcê-la até que ela ganhasse maior poder sugestivo. Pé-de-lobo? Epilobo? Aceitam-se sugestões.

Porém, como temos que chamar alguma coisa às plantas, e há quem nos tome por pedantes se usarmos apenas os nomes científicos, somos forçados a inventar designações. Mas assumimos a autoria. Não é o povo da mítica aldeia que usa estes nomes, somos nós, citadinos, aqui no blogue. Pelo espaço de dois ou três parágrafos, a planta de hoje fica então a chamar-se erva-salgueira, que é tradução do inglês willowherb. É favor não a confundirem com a salgueirinha ou erva-carapau (esses sim genuínos nomes populares), a qual, apesar de partilhar com a erva-salgueira a preferência por habitats encharcados, pertence a uma família botânica muito distinta.

Dentro das plantas do género Epilobium, em geral ervitas de flores minúsculas que aparecem nos nossos canteiros sem pedirem licença, a erva-salgueira faz figura de gigante: pode atingir os 2 metros de altura e as suas flores (de um rosa vistoso, com o estima dividido em quatro segmentos) têm quase 3 cm de diâmetro. Em comum com as outras espécies do género, as flores aparecem no extremo daquilo que parece ser um longo pedúnculo, mas é de facto o ovário — o qual, depois de fecundado, se transforma numa "vagem" de onde saem as sementes envoltas em filamentos sedosos. O nome científico Epilobium refere-se aliás à circunstância de a corola estar sobreposta (epi) à cápsula (lobos) do fruto que há-de ser.

Sem ser rara, em Portugal a erva-salgueira não é muito vista: de acordo com a Flora Digital de Portugal, aparece no nordeste, no litoral centro, na região de Lisboa, no interior alentejano e na serra algarvia. Os esporádicos encontros que com ela tivemos não desmentem totalmente esse mapa: na serra dos Candeeiros, junto à lagoa grande do Arrimal; nas margens do Tâmega, em Amarante; e no vale do rio Távora, afluente da margem esquerda do Douro. Em Inglaterra, onde foram captadas as imagens, é uma planta comum nos habitats húmidos que lhe são favoráveis.

14/10/2011

É favor não pisar


Anchusa calcarea Boiss.


Para guardarem os centavos da República, os coleccionadores de moedas usam umas páginas em plástico com bolsas quadradas, uma para cada moeda, num arquivo esmerado onde elas estão protegidas da oxidação. Nos lugares vazios, há quem coloque fotos das moedas, retiradas de livros de numismática ou da internet, na esperança de um dia as substituir pelos originais em metal. Do mesmo modo, a nossa colecção de anchusas tinha, até há uns tempos, uma foto de livro com esta planta, pouco esclarecedora quanto aos detalhes; desde a nossa última visita à Galiza, dispomos já do original — que, na verdade, é também uma imagem, mas com mais memória nossa.

Esta erva-de-n-línguas é um endemismo do oeste e sul da Península Ibérica. Segundo a Nova Flora de Portugal, de Amaral Franco, ocorre em todos os areais costeiros, mas nós nunca a vimos nas praias do norte (Douro ou Minho). O que não nos surpreende pois, por razões ocultas, as plantas da beira-mar preferem enfrentar o perigo — que é real, não falta à-vontade no pisoteio aos veraneantes, sempre ansiosos por chegar à espuma — a terem de se acotovelar dentro das cercas que os zeladores prestimosamente espalham pelos areais.

É herbácea perene ou bienal de duna fixa, com lanugem de dois tamanhos no caule e folhas, uma opção atinada que a protege da erosão do par areia + vento. As folhas são pecioladas, crenadas e, as mais baixas, arrosetadas; podem chegar aos 15 cm de comprimento. As flores tubulares, com brácteas conspícuas e penugentas, são pequeninas e nascem na Primavera: os cálices têm cerca de 1 cm e são fendidos até 1/4 do seu comprimento; a corola, azul ou púrpura, ronda os 8 mm de diâmetro.

Desviei-me do assunto, desculpem. O que queria dizer é que nos falta um exemplar português, o tal centavo precioso.

13/10/2011

Chícharo esférico

Lathyrus sphaericus Retz.


Já faz tempo que o chícharo se nos esgotou na despensa. A lacuna tem o grave inconveniente de nos privar do arroz de chícharo, que é a versão muitas vezes melhorada do popular arroz de feijão. Aqui convém não poupar nos detalhes gastronómicos, pois nem todos os feijões se equivalem. Embora se possa confeccionar um arroz aceitável com feijão vermelho, quem tiver o paladar correctamente afinado saberá reconhecer que os melhores arrozes se preparam com feijão branco. A espessura da goma libertada pelo feijão branco remete o feijão vermelho para uma divisão secundaríssima. Ora o chícharo, além de garantir essa mesma consistência que evita a transformação do arroz numa sopa aguada (a tal fraude culinária a que é costume chamar "arroz malandro"), ainda oferece o bónus de um sabor único, cruzado por um irresistível travo picante.

E porque o chícharo e o arroz do mesmo nos fazem falta, deixamos aqui este escrito à laia de mnemónica. Há que voltar a Sicó, mesmo que agora, com o avanço do Outono, já sobrem poucas flores silvestres para observar (ainda se vêem, porém, algumas tranças-de-Outono; e quem for persistente há-de também encontrar isto).

E que tem a planta acima ilustrada a ver com o chícharo? É que esse acepipe provém de uma planta que se chama Lathyrus sativus; os frutos dela são vagens, como sucede com todas as leguminosas, e aquilo que nós comemos são as sementes. Na Península Ibérica existem 30 espécies nativas de Lathyrus e mais duas outras que são cultivadas como ornamentais (L. odoratus) ou para alimentação (L. sativus). Muitas dessas espécies são trepadeiras, algumas são anuais e outras são perenes. As espécies autóctones não têm, em geral, qualquer préstimo culinário, e podem mesmo ser tóxicas. O que os diversos Lathyrus têm em comum são as folhas compostas, formadas por folíolos alongados dispostos aos pares, e rematadas por gavinhas (ou, mais raramente, por mucrões).

O Lathyrus sphaericus, que é anual e atinge uns 50 cm de comprimento, destaca-se entre os seus congéneres pelas flores vermelhas. Teriam elas potencialidades ornamentais se fossem maiores e mais numerosas, mas cada flor aparece isolada e não excede 1,5 cm de diâmetro. E, com vagens tão magras (3ª foto), também as sementes (que são esféricas, como lembra o epíteto específico) são diminutas: têm uns 3 mm de diâmetro, contra 1 cm dos verdadeiros chícharos. Se se comessem, saberiam a pouco.

12/10/2011

Campainhas transalpinas

Campanula fragilis Cirillo subsp. fragilis


Nomes vulgares: campanula napoletana, Italian bellflower
Ecologia e distribuição: endemismo do centro e sul de Itália, ocupa fendas de rochas calcárias no litoral
Época de floração: Julho a Setembro
Data e local das fotos: Agosto de 2009, Alpine House, Kew Gardens
Informações adicionais: planta perene, com hastes prostradas de 20 a 40 cm de comprimento e flores com cerca de 3 cm de diâmetro, agrupadas em corimbos

11/10/2011

Feto dos garfos

Asplenium septentrionale (L.) Hoffm.


Calcorreámos montes e escarpas, guiados pelo Alexandre Silva do CISE, para ver este feto pequenino, uma relíquia do tempo em que só havia Inverno. Vive em fissuras de rochas graníticas ou ultrabásicas, por vezes ricas em metais, de zonas montanhosas. Em Portugal, as colónias são escassas e de baixa densidade: está listado apenas na serra da Estrela, nos arredores elevados de Bragança, em Vinhais e na ilha da Madeira. É nativo da América do Norte, Europa e parte da Ásia.

É uma planta vivaz, com um rizoma curto. As frondes são achatadas, coriáceas, com cerca de 2 cm de largura máxima; nascem em tufos densos e têm pecíolos longos e avermelhados na base. Parecem garfos irregulares (daí a designação forked spleenwort) e não ultrapassam em geral os 15 cm de comprimento. Os esporângeos estão dispostos linearmente, protegidos por indúsios que prolongam a dobra das folhas, e formam a camada castanha que se nota na face inferior (e que o Paulo não fotografou com receio de estragar a planta).

Na Europa, estão citados vários híbridos em que um dos progenitores é o A. septentrionale, como o A. × alternifolium Wulfen, resultado do cruzamento com o A. trichomanes.

10/10/2011

À semelhança do branco

Leucanthemopsis flaveola (Hoffmanns. & Link) Heywood


Leucanthemopsis significa "semelhante ao Leucanthemum"; e este último nome, composto que é das palavras leuca (= branca) e anthos (= flor), designa uma asterácea de flores brancas (L. vulgare), comum no norte e centro do país e em grande parte da Europa. Combinando os dois significados, podemos traduzir Leucanthemopsis por "semelhante àquela que dá flores brancas", embora ela própria dê flores amarelas e a afinidade morfológica entre as duas plantas seja pouco vincada. O que de mais óbvio têm de comum estas herbáceas perenes são as hastes erectas de 30 a 50 cm, não ramificadas, rematadas cada uma por um solitário capítulo floral de uns 3 a 5 cm de diâmetro. De resto, as folhas da Leucanthemopsis flaveola são penatissectas (divididas em muitos segmentos) e exclusivamente basais, enquanto que as do Leucanthemum vulgare são inteiras e de margens serradas, e distribuem-se pelo caule acima.

O amarelo peculiar das flores, assinalado aliás no epíteto flaveola, leva-nos a sugerir para esta planta, que até hoje o povo esqueceu de baptizar, o nome de malmequer-sulfuroso. É um endemismo do noroeste peninsular, pouco comum em Portugal, onde floresce de Maio a Julho e aparece sobretudo em sítios cascalhentos nas montanhas do norte e do centro. João do Amaral Franco, no vol. II da Nova Flora de Portugal, propõe duas subespécies (subsp. flaveola e subsp. alpestris) que se diferenciariam apenas (e pouco) pelo tamanho, mas é improvável que essa distinção taxonómica seja acolhida pela Flora Ibérica. Se o for, porém, sempre fica dito que as plantas acima, fotografadas a caminho da Fonte Fria, no Gerês, pertencem à subespécie alpestris.

07/10/2011

Sargaço defumado

Fumana procumbens (Dunal) Gren. & Godr.


Já ninguém se lembra por que Thomas Bartholin (em 1673, e depois Lineu) lhe chamou Fumana, embora a casca cinzenta que reveste os ramos seja a explicação mais plausível, a que serve o termo latino fumus. Reparámos nela porque tinha flores amarelo-limão como as do Halimium, mas as folhas não condiziam: pareciam grãos de arroz verdes, reunidos em molhinhos. Encontrámos estes exemplares, já a floração estava no fim, na vertente sul da serra de Sicó. Lemos depois na Nova Flora de Portugal que, no nosso país, ela só ocorre neste lugar desta serra e nos arredores de Bragança (mas aqui sem localização precisa). Sendo assim tão rara, desculpa-se que não tenha nome vernáculo em português; em espanhol é a jarilla rastrera; em inglês, sprawling needle sunrose.

Trata-se de uma planta lenhosa de distribuição mediterrânica (na parte africana, só em Marrocos) mas que também está presente no centro-este da Europa e no oeste da Ásia; na Península Ibérica, encontra-se no interior e em zonas mais ou menos elevadas (entre os 100 e os 2000 m de altitude) do litoral. É cespitosa mas pequena (não ultrapassa os 35 cm) e prostrada, precisa de solo calcário e prefere terrenos pedregosos com vegetação pouco densa ou fissuras de rochas em pleno sol.

Antes de ir à sua vida, repare o leitor nas sépalas, três grandes e com nervuras salientes que parecem costelas, e mais duas minúsculas semelhantes a brácteas. As cinco pétalas, de 8 a 10 mm de diâmetro, não têm pé nem a mancha na base que é frequente nas cistáceas; o formato mais comum é o ovado-triangular mas por vezes, diz G. López González (em Los árboles y arbustos de la Península Ibérica e Islas Baleares, Mundi-Prensa, 2006), as pétalas assemelham-se a um "corazón invertido" - descrição meio enigmática para uma flor com simetria radial, não acha?

06/10/2011

Língua áspera

Neatostema apulum (L.) I. M. Johnst.
Esta pequena herbácea anual (caules até 30 cm), que apresenta fortes semelhanças com a muito comum erva-das-sete-sangrias (Lithodora prostrata (Loisel.) Griseb.), sobretudo na forma das flores e na folhagem áspera como língua de gato, tem contudo uma personalidade tão vincada que perfaz sozinha um género botânico. O tardio reconhecimento da sua singularidade ocorreu em 1953; até lá, ela foi agrupada com os miosótis (por Lineu, em 1755, que lhe chamou Myosotis apula) ou incluída, como Lithospermum apulum, num género por onde também já andou a erva-das-sete-sangrias.

Para além das flores amarelas (que têm cerca de 6 mm de diâmetro), uma particularidade mais subtil a destaca não só das suas antigas companheiras como da generalidade das boragináceas. A Neatostema apulum, tal como certas orquídeas, é praticante assídua da cleistogamia: algumas flores não chegam a abrir e optam pela auto-polinização. Com as abelhas e outros polinizadores a escassearem de modo alarmante, que a planta se baste a si própria para se multiplicar é um passaporte para a sobreviência.

O epíteto apulum refere-se à Apúlia - não à praia nortenha, mas à província transalpina com o mesmo nome, situada no calcanhar da bota-península italiana. A distribuição da língua-de-flores-amarelas é contudo bem mais ampla: todo o sul da Europa, norte de África e sudoeste da Ásia. Em Portugal aparece sobretudo no centro e no sul, mas faz ainda uma incursão à bacia do Douro superior. Surge em prados ou bermas de caminhos, e afirma a Flora Ibérica que ela é indiferente ao teor ácido ou alcalino do solo. Até hoje, porém, só a encontrámos sobre calcários, nos Candeeiros e em Sicó.

05/10/2011

Campainhas brancas

Campanula rapunculus L.
Nomes vulgares: campainhas-rabanete, rapúncio
Ecologia e distribuição: amplamente distribuída na Europa, Ásia e norte de África, em bosques, prados, taludes e rochedos, a altitudes muito variáveis
Distribuição em Portugal: quase todo o território continental
Época de floração: Março a Agosto
Data e local das fotos: 1 de Julho de 2010, Mata da Margaraça
Informações adicionais: planta bienal, com caules que podem ultrapassar metro e meio de altura; distingue-se da C. lusitanica pelas flores mais abertas, com pétalas mais compridas, estreitas e curvadas, e também pelas folhas caulinares maiores; já foi uma espécie muito cultivada como hortaliça, quer para consumo das folhas, quer da raiz (semelhante à do rabanete)
Adenda: normalmente as flores da Campanula rapunculus não são brancas, mas sim de um azul mais ou menos pálido, como pode ver aqui

04/10/2011

Zeitlose

Colchicum lusitanum Brot.


Esta herbácea vivaz tem um ciclo de vida invulgar: produz flores no Outono, sem a roseta de folhas a protegê-las ou a alimentá-las; escapa aos rigores do Inverno escondida no subsolo, consumindo os nutrientes acumulados no bolbo; e desponta na Primavera, terminando então a gestação dos frutos do ano anterior e dispersando as sementes no início do Verão. A seguir, entre Agosto e Outubro, floresce de novo. É arriscada esta aposta numa estação em que a maioria das plantas já se prepara para hibernar, mas talvez ela lhe traga oportunidades de disseminação que em tempos mais competitivos lhe são negadas.

As flores em geral solitárias do C. lusitanum são parecidas com as do género Crocus, com pétalas unidas em taça de champagne de pé alto, um centro amarelado de pólen e um estilete trífido. Se a chuva não ajuda, não é fácil distingui-lo do C. autumnale L.. Mas o C. lusitanum prefere solos pedregosos e calcários (o C. autumnale escolhe mais frequentemente prados húmidos de montanha), tem anteras arroxeadas, púrpura ou rosa (amarelas no outro) e as pétalas exibem um ténue padrão axadrezado (no seu congénere elas assumem uma cor lilás mais uniforme).

As sementes do género Colchicum são usadas no tratamento da gota ou do reumatismo pois contêm um alcalóide, a colquicina, que, embora seja tóxico e deva ser administrado com parcimónia médica, tem fama de ser muito eficaz. O nome deriva do grego kolkhikós, referindo-se à Cólquida, região da Ásia Menor onde se situa hoje a Geórgia. Como muitas outras plantas medicinais, os cólquicos constam da lista das ervas ameaçadas pela colheita desregrada. Mais agora que se descobriu que a colquicina é capaz de perturbar o processo normal de divisão celular, o que faz dela um ingrediente quase mágico na pesquisa genética e na produção hortícola de variedades.

03/10/2011

A largueza do escudo

Dryopteris dilatata (Hoffm.) A. Gray


Por motivos difíceis de sondar, os britânicos chamam buckler fern aos fetos do género Dryopteris - que são, em geral, de porte avantajado e costumam preferir bosques e ambientes sombrios. O outro significado da palavra buckler - pequeno escudo redondo usado na Idade Média em combates homem a homem - em nada evoca a aparência destas plantas. Poderá tratar-se de uma convergência fonética e ortográfica de palavras com etimologia distinta. Um pouco como sucede com o acordo ortográfico que vem desfigurando a nossa língua: daqui a uns anos perguntar-nos-emos por que diabo chamamos espetador, palavra que melhor se ajusta a um toureiro ou ao dono de uma churrascaria, a quem se senta pacificamente para assistir a uma sessão de cinema.

Mesmo desconfiando da sua justeza, a designação broad buckler fern para o Dryopteris dilatata já nos forneceu, em tradução enviesada, o título deste escrito. É justo que assim seja, pois três das fotos acima são inglesas, tiradas que foram num bosque de avelaneiras em Loder Valley, a reserva natural anexa a Wakehurst Place, sucursal dos Kew Gardens no condado de Sussex. Nessas fotos, datadas do início de Maio de 2010, vemos as frondes jovens ou ainda embrionárias do feto. Só uns meses depois surgiriam os soros no verso das pínulas, e por isso a terceira imagem foi captada em Portugal, nas margens de um bonito ribeiro no concelho de Barcelos. No nosso país, ao contrário do que sucede na ilha de Sua Majestade, o Dryopteris dilatata é um feto pouco comum, mas vai aparecendo aqui e ali em matas caducifólias, de preferência ribeirinhas, das províncias do Minho e do Douro Litoral.

Tal como as de outros fetos congéneres (como o D. affinis), as frondes do D. dilatata são grandes, atingindo mais de um metro de comprimento, e aparecem dispostas em tufo, formando uma espécie de taça. Uma diferença essencial entre estas duas espécies é que o D. affinis tem frondes bipinadas, enquanto que o D. dilatata as tem tripinadas. Expliquemo-nos: um feto é constituído por uma parte subterrânea ou rastejante - o rizoma - de onde saem as hastes que sustentam as frondes. Cada haste corresponde a uma única fronde ou folha, por muito dividida que ela se apresente. Tanto no D. dilatata como no D. affinis, cada fronde está dividida em segmentos horizontais (chamados pinas) dispostos aos pares ao longo da haste (ou ráquis). Cada uma das pinas, por sua vez, é composta por segmentos menores, chamados pínulas. No D. affinis o processo termina aí, mas no D. dilatata há uma divisão adicional: cada pínula é formada por segmentos ainda menores, ou de terceira ordem (clique na quarta foto para ampliar) a que já parece forçado dar nome (pinúlula? subpínula?).

Uma peculiaridade do Dryopteris dilatata é que os segmentos de última ordem são dentados e cada um dos dentes se prolonga num pequeno bico. Outra marca distintiva são as escamas lanceoladas, castanho-escuras, que se observam na base da haste (segunda foto). Mas para quê determo-nos nestas minudências?, pergunta o leitor. Há algum outro feto que com ele se possa confundir? De facto há: tanto o D. guanchica como o D. expansa, ambos presentes em Portugal continental, se parecem muito com ele. Mas os dois são muito raros e o segundo só existe por cá nos cumes da serra da Estrela, pelo que o risco de confusão é mínimo.