09/01/2005

Árvores do Jardim do Carregal #7


Foto: pva 0411 - Cedrus libani - Jardim do Carregal (Porto)

Não há muitas árvores que tenham a honra de ser mencionadas na Bíblia: a macieira, ao contrário do que muitos pensam, nem uma só vez aparece no Livro do Génesis; a oliveira tem o destaque apropriado a uma árvore emblemática da civilização mediterrânica; e há ainda o cedro-do-Líbano, árvore que, segundo o Antigo Testamento, forneceu quantidades colossais de madeira para a construção do templo do Rei Salomão.

Originária dos montes do Líbano, esta majestosa árvore perenifólia da família das Pinaceas foi pela primeira vez plantada em Inglaterra em meados do século XVII, mas só cem anos mais tarde se começou a vulgarizar na Europa Ocidental, e é possível que a Portugal só tenha chegado no século XIX. A sua silhueta distingue-se pela copa achatada e pelas longas ramadas horizontais organizadas em sucessivos patamares; as suas folhas são pequenas agulhas reunidas em tufos que lembram pincéis (por contraste, as agulhas dos pinheiros, mais compridas, reúnem-se em grupos de dois, três ou cinco).

Duas outras espécies de cedro, com folhagem semelhante à do cedro-do-Líbano mas de aspecto geral distinto, são frequentes em parques e jardins portugueses: o cedro-do-Himalaia (Cedrus deodara) e o cedro-do-Atlas (Cedrus atlantica). O primeiro tem forma cónica, terminando numa flecha estreita e recurvada; do segundo é comum o cultivar glauca, de folhagem azulada; ambos são de crescimento mais vigoroso do que o cedro-do-Líbano.

No centro do Jardim de Carregal, e formando a mais admirável amostra dessa espécie em espaços públicos portuenses, distribuem-se onze cedros-do-Líbano. Embora tenham sido até hoje poupados pelo túnel que vai gradualmente devorando o jardim, não ficaram imunes às obras: além de sofrerem com o entulho e o desleixo, têm-lhes sido amputados grandes ramos para facilitar a manobra das máquinas.

Salomão sacrificou as florestas do Líbano ao culto de um Deus; e das árvores derrubadas fez um templo que inspirava os homens à transcendência. Hoje, no Porto e em todo o país, árvores e jardins são imolados ao culto efémero e materialista do automóvel. É a isto que ainda chamamos progresso?

Anteriores na mesma série: #1, #2, #3, #4, #5, #6

2 comentários :

Anónimo disse...

O Jardim do Carregal: mais um espaço que daqui em diante olharei com outros olhos (mas também com alguma tristeza). E ele aqui tão perto de casa! Agora reparo que nunca o percorri a pé - contemplei-o sempre de longe, por detrás do vidro de um carro, de passagem... ;(
DK

António Viriato disse...

Concordo com a nota aqui deixada. Estamos a criar uma civilização cheia de absurdos, que se acumularam, perigosamente, nos últimos anos. Bem sei que alguns dirão que já na Grécia e na Roma antigas se ouviam estes queixumes e aqui chegámos, com grande cópia de objectos para nosso conforto. Mas a capacidade de regeneração do planeta não será nunca infinita e, ao ritmo a que o vamos degradando, a sua finitude ficará cada vez mais próxima...