31/12/2011

Se não nos virmos

Frecha da Mizarela (Arouca)
O ano que começa logo à noite com o estralejar de fogos-de-artifício, e que, se se conformar aos nossos desejos, há-de ser do melhor para todos os nossos leitores — esse ano, dizíamos, promete ser rico em dias, já que 2012 é bissexto. Noutros aspectos não será tão rico. Este blogue, por exemplo, vai ser menos prolífico: andámos a esbanjar plantas e impõe-se um racionamento antes que o filão se esgote. Não vamos embora, pois já prometemos isso uma vez e não deu resultado, mas vamos ser mais comedidos. Deixaremos o campo em pousio, só o vindo amanhar ocasionalmente para não perdermos o jeito com a enxada.

30/12/2011

Champanhe sem borbulhas

Orchis champagneuxii Barn.
[Anacamptis morio subsp. champagneuxii (Barn.) Camus]
The coil of rope which is necessary to hold in the hand, before and whilst raising a bell, always puzzles a learner.

Charles A. W. Troyte, Change-Ringing (1869)

29/12/2011

Rosa Maria

Helianthemum marifolium (L.) Mill.
Os ingleses chamam rock roses às plantas da família Cistaceae, que nós tratamos por esteva, estevinha, estevão, sargaço, sargaça ou sargacinha. Por serem plantas nativas do nosso território, e não das ilhas britâncias, os nomes que lhes damos deveriam gozar de primazia. Sucede que a nomenclatura popular é altamente confusa, chamando a mesma coisa a plantas muito diferentes ou, pelo avesso, atribuindo nomes díspares a plantas claramente aparentadas. Quem poderia adivinhar, só pelos nomes, que a esteva e o sargaço são plantas da mesma família? Ou quem diria que o sargacinho (Lithodora prostrata) e a sargacinha (Halimium calycinum ) nada têm a ver um com o outro?

Rock rose tem pois a vantagem da simplicidade e da transparência: sabemos de imediato de que tipo de planta estamos a falar, e ainda ficamos com a ideia — em geral correcta, apesar de admitir excepções — de que ela prefere terrenos secos e pedregosos. Para quem quiser compor um jardim de plantas xerófilas, com cascalho e blocos de pedra (ou seja, aquilo a que os anglo-saxónicos chamam rock garden), as rock roses são a escolha óbvia para fazer companhia às suculentas. Pena é que o conceito e as próprias plantas que lhe dariam forma sejam quase ignorados em jardins portugueses.

A rosa-das-rochas que hoje nos visita tem um epíteto misterioso: marifolium. É pois, na opinião de Lineu, uma rosa com folhas de Maria, ou mais simplesmente uma Rosa Maria. Desde quando Maria é vegetal? Um mergulho nos poeirentos arquivos da taxonomia botânica revela-nos a existência de uma Maria-antonia orientalis Parl., leguminosa baptizada em 1844 de que entretanto se perdeu o rasto. Mas a Maria de Lineu terá que ser outra, pois a descrição original do Helianthemum marifolium (como Cistus marifolius) é de 1753.

O Helianthemum marifolium é um arbusto peludo, muito ramificado e de caules prostrados, que atinge um máximo de 30 cm de altura mas em regra é bem mais rasteiro; as suas folhas têm de 3 a 15 mm de comprimento, e as flores de 10 a 15 mm de diâmetro. Distribui-se pela Península Ibérica, sul de França, Baleares e norte de África, e em Portugal ocorre apenas na serra da Arrábida e no litoral algarvio.

Adenda. Uma leitora perspicaz sugeriu que marifolium não remete a Maria nenhuma, mas sim ao Teucrium marum, arbusto mediterrânico muito atraente para gatos que vive em França, Itália, Sardenha e Córsega.

A cervina também mora aqui

Ribeira do Espírito Santo, Miramar, Gaia / Asplenium scolopendrium L.
Agora que está prestes a cair a última folha do calendário de 2011, é altura de encerrarmos oficialmente o Grande Concurso Dias com Árvores, que decorreu sem interrupções, embora com uma actividade algo letárgica, desde o passado dia 10 de Janeiro. O objectivo era descobrir, em algum concelho do Grande Porto, um dos mais notáveis fetos da nossa flora, a língua-cervina (Asplenium scolopendrium). Quem encontrasse a planta na natureza e nos reportasse a descoberta seria contemplado com um ou mais livros. Inicialmente o concurso abrangia apenas os concelhos de Espinho, Gaia, Porto, Matosinhos, Maia, Gondomar e Valongo, mas optámos por alargá-lo a Ovar e a Estarreja para que o rol dos premiados não ficasse vazio. Balanço do concurso? Graças a Rui Soares, nosso único vencedor, encaramos hoje com optimismo moderado a situação da língua-cervina no noroeste do país. As populações de Ovar e Estarreja são vigorosas e abundantes, e também há bons núcleos em Vale de Cambra e em Macieira de Cambra, o principal deles igualmente descoberto por Rui Soares. Como todas as plantas que vivem junto a linhas de água, a língua-cervina corre risco de erradicação sumária no âmbito de requalificações ou limpezas abrutalhadas de margens de rios e de ribeiras. Mas há sempre a esperança de que algum rio escape à fúria higienizante, ou de que alguma planta sobreviva quando as margens são rapadas à escovinha.

Da nossa lista inicial, Gaia foi o único concelho que não ficou em branco; mas, como não nos podemos premiar a nós próprios (apesar de o regulamento ser omisso a esse respeito), a descoberta não tem relevância para o concurso. A solitária língua-cervina gaiense foi a única e milagrosa sobrevivente da limpeza sem critério das margens da ribeira do Espírito Santo, em Miramar. Aparenta saúde débil, mas se a deixarem sossegada por uns anos talvez revigore e se multiplique.

28/12/2011

Favas contadas

Orobanche foetida Poir.
Nome vulgar: erva-toira-denegrida
Ecologia: parasita de diversas plantas leguminosas, vive em matos, pastagens, zonas arenosas e lugares ruderalizados
Distribuição global: Península Ibérica, ilhas Baleares e norte de África (Argélia, Marrocos, Tunísia e Líbia)
Distribuição em Portugal: ainda que não seja comum, ocorre em todas as províncias do continente
Época de floração: Abril-Junho
Data e local das fotos: Maio de 2011, serra da Boa Viagem (Quiaios, Figueira da Foz)
Informações adicionais: planta com hastes robustas que podem ultrapassar os 70 cm de altura; semelhante à Orobanche sanguinea C. Presl. que, embora mais rara, também ocorre em Portugal

27/12/2011

Salsa-para-cavalos

Smyrnium olusatrum L.


Ouro, incenso e mirra — a lista de oferendas é sempre recitada por esta ordem. Primeiro o ouro, marca de realeza e poder; segue-se-lhe o incenso perfumado e espiritual, de plantas do gênero Boswellia; e só depois a mirra. Engano nosso, ao julgarmos que é a prenda de menor valor: esta resina fragrante, extraída de árvores do género Commiphora, tem propriedades balsâmicas, anti-sépticas e anti-bacterianas; é por isso o símbolo da imortalidade.

Smyrnium perfoliatum L.
As umbelíferas das fotos, a que os ingleses chamam alexanders (em alusão a Alexandria), não têm a mesma fama, embora o S. olusatrum também se sirva em infusões aromáticas (e se tenha cultivado como verdura de Inverno), o S. perfoliatum tenha uso ornamental por causa das folhas douradas na Primavera, e o nome Smyrnium se refira explicitamente ao aroma a mirra das sementes. Que são ovóides, rugosas e escuras quando maduras no caso da primeira planta (olusatrum deriva do latim olus, erva, e ater, negro), e pardas as do S. perfoliatum. Este distingue-se do anterior por ter menor porte e pelas folhas caulinares não divididas ou menos recortadas; contudo, as duas espécies têm-nas sésseis e de aurículas grandes, de base cordiforme e adunada, parecendo que o caule as atravessa. Pelo contrário, as folhas basais são divididas e de pecíolo longo, tão diferentes que, quando as vimos, julgámos que fossem de outra planta que por ali se tinha esgueirado.

São herbáceas bienais, com hastes florais que podem atingir os 2 metros de altura. As flores hermafroditas, sem sépalas, de cinco pétalas amarelas com cerca de 1 mm de diâmetro, dispõem-se em umbelas compostas (como um guarda-chuva cujos raios terminassem em sombrinhas menores) de 8 a 20 umbélulas, mas em cada uma cerca de metade das flores abortam. A raiz parece um nabinho comprido. Apreciam sombra, lugares frescos, relvados húmidos e solos ricos em azoto.

O género Smyrnium abriga sete espécies, cinco da Europa (das quais só duas ocorrem na Península Ibérica) e as outras da Ásia e África. São mais abundantes na metade sul do país. O S. olusatrum é espontâneo no oeste e sul da Europa, Macaronésia e norte de África; o S. perfoliatum é calcícola, nativo do centro e sul da Europa e região mediterrânica e, parece, mais raro por cá.

26/12/2011

Mercúrio na cidade

Mercurialis ambigua L. f.
A natureza na cidade é uma história de guerrilha e de infiltrações, de recuos e de avanços. Em países como o nosso, onde se tenta à força excluir o convívio entre o que é artificial e o que é espontâneo, não é em jardins e parques que cidade e natureza se reconciliam. A tira de relva enfeitada com magras árvores onde os cães levam os donos a passear é muito mais postiça do que um muro velho forrado de verdura. É na cidade roída pelo tempo, e não nos tristes jardins geométricos, que o naturalista citadino com mais proveito emprega o seu labor.

Para ilustrar cabalmente esse preceito, nada melhor que a mercurial ou erva-mercúrio (Mercurialis ambigua). Trata-se de uma erva com grande tradição na medicina popular, usada como purgante, vermífuga e diurética; é espontânea no nosso país, chegando a ser abundante em zonas nitrificadas e húmidas; e também no Porto se pode encontrar, mas nunca em jardins. Basta, porém, uma incursão às vielas e escadarias de Miragaia, da Sé ou da Vitória para a vermos despontar ocasionalmente entre tufos de erva-das-paredes (Parietaria judaica), fetos e cimbalárias.

As plantas do género Mercurialis são, por regra, dióicas: há indivíduos de cada um dos sexos, masculino ou feminino, com funções claramente atribuídas na missão de perpetuar a espécie. A Mercurialis ambigua, contudo, veio pôr em causa a ordem estabelecida ao optar por um modelo sexual caótico e fracturante. Ao masculino e feminino acrescentou um terceiro sexo, o das plantas hermafroditas, que combinam flores dos dois tipos. De resto, nem a M. ambigua nem qualquer uma das suas congéres exibem floração vistosa: as flores, além de minúsculas, não têm pétalas, reduzindo-se ao cálice esverdeado e a dezena e meia de estames (as masculinas) ou a dois estiletes (as femininas). As flores masculinas dispõem-se em glomérulos de 8 a 10 unidades ao longo de espigas, tal como se observa nas fotos; as femininas são menos numerosas, e juntam-se em grupos de duas ou três nas axilas das folhas. O fotógrafo, por inadvertência, não registou flores femininas nem indivíduos hermafroditas. Remediar o lapso dá-lhe bom pretexto para revisitar os becos esquecidos da cidade.

24/12/2011

De braços abertos

Orchis langei K. Richt.
....Se Deus existe, tem afinal uma educação
....tão francesa e tão de guardanapo de linho
....que nenhuma acção Dele
....se torna aqui em baixo visível
....– tal a delicadeza.
....Mas se alguém tem poder,
....para quê ser delicado?


....Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia (Caminho, 2010)

23/12/2011

Frio Olimpo



Dizia-me hoje alguém que lhe parecia que eu exagerava as virtudes do transmontano. Respondi-lhe que talvez. E acrescentei:
— À semelhança dos Gregos, pinto deuses, a ver se ao menos consigo ter homens...


Miguel Torga, Diário (D. Quixote, 2010)

22/12/2011

Margaridetas

Valerianella discoidea (L.) Loisel.

Valerianella locusta (L.) Laterr

São como as valerianas, mas com talos ramificados e fascículos de flores muito mais pequenas (1-2 mm de diâmetro), como sublinha o diminutivo latino ella. Apesar de as flores, com a forma tubular da corola, parecerem ser adaptadas a borboletas, plantas anuais de dimensões tão reduzidas têm fraca chance de serem polinizadas. Por isso é escasso o investimento nas flores, que não têm perfume nem néctar e se auto-fecundam, e reduzida a produção de pólen. Uma planta condenada. Ou não?

Na verdade, estas herbáceas concentraram-se no essencial: uma produção suficiente de frutos, sem desperdícios nem excedentes, e um processo eficiente de a escoar. O polimorfismo dos frutos é o maior encanto das valerianelas. Os frutos são nozes com três cavidades desiguais, uma delas com uma semente e as outras duas ocas ou recheadas de um material esponjoso como cortiça, talvez para protecção ou alimento da semente. Mas eles podem ser mais ou menos hirsutos, com ganchos mais ou menos aduncos, com um maior ou menor desenvolvimento das cavidades estéreis, com ou sem membranas aladas, etc, etc, características importantes que resultam da adaptação ao habitat — que pode ser uma escarpa rochosa, um terreno cultivado ou um muro velho — e, sobretudo, aos dispersores das sementes. As variações em cada espécie podem ocorrer numa mesma população e até numa mesma planta. O que naturalmente complica a tarefa de arrumação taxonómica se baseada na morfologia do fruto. Os apêndices dentados que se notam nas fotos são parte dos cálices que rodeiam as corolas (azuladas ou rosadas, com cinco lóbulos) e persistem nos frutos.

O género tem cerca de 50 espécies nas regiões temperadas da Europa e da Ásia, mais de trinta nativas da Turquia. Na Península Ibérica há registo de doze, cerca de metade das quais ocorrem em Portugal. A V. locusta é comestível e até popular em saladas suíças: é a nossa alface-de-cordeirinho (ou, como nos informou Carlos Aguiar, canónigos) e a nüsslisalad deles, com um sabor acentuado a avelã.

21/12/2011

Suspiros e arrulhos


Scabiosa columbaria L.


Nomes vulgares: nenhum em português; pigeon scabious, pincushion flower ou small scabious
Ecologia: clareiras de bosques e de matos, sítios pedregosos em substrato calcário ou granítico
Distribuição global: grande parte da África e da Europa, estendendo-se até à Ásia central e ao sudoeste asiático
Distribuição em Portugal: centro e norte do país, algo descontínua (Estremadura, Ribatejo, Beira Litoral, Beira Baixa, Minho e Trás-os-Montes)
Época de floração: Julho-Setembro
Data e local das fotos: Agosto de 2011, serra do Gerês, a norte de Pitões das Júnias
Informações adicionais: herbácea perene com hastes florais até 80 cm; provável antepassada da açoriana Scabiosa nitens, da qual se distingue pela menor envergadura, por ter as flores arroxeadas em vez de rosadas, e pelas folhas caulinares penatissectas

20/12/2011

Diabelhas do mar e da serra

Plantago coronopus L.


Eis uma planta a quem a revolução filogenética liderada pelo Angiosperm Philogeny Group expandiu desmesuradamente o clã familiar. Antes, a família das plantagináceas era formada por três únicos géneros, Bougueria, Littorella e Plantago, os dois primeiros com uma a três espécies cada, o terceiro com um expressivo contigente de mais de duzentas espécies distribuídas por todos os continentes habitados. A verdade é que as tanchagens (nome português para os plantagos) não são modelos de formosura nem se fazem cobiçadas pela raridade. Não esperavam por certo ser postas à cabeça de uma família onde se incluíssem plantas tão apreciadas como as verónicas, as bocas-de-lobo, as linárias e as dedaleiras. A sua predilecção pelo anonimato é tão vincada que até hoje não tinham querido mostrar-se no Dias com Árvores, falha que hoje remediamos em dose dupla.

(Diga-se que o alargamento da família Plantaginaceae tem os seus detractores: a Flora Ibérica, por exemplo, não a reconhece. E, mesmo entre os que aceitam a nova circunscrição da família, há quem defenda que ela deve ter como líder uma planta mais vistosa, preferindo assim designá-la por Veronicaceae ou Antirrhinaceae.)

As tanchagens são ervas anuais ou perenes formadas por uma roseta de folhas basais e por características hastes florais rematadas por espigas. As flores, minúsculas e discretas, embora dotadas de todas as componentes prescritas pelos manuais de morfologia vegetal, abrem de baixo para cima e secam rapidamente; cada espiga não costuma ter mais que uma pequena franja florida. Depois há que dosear os ingredientes — folhas mais ou menos largas, número de hastes, comprimento das espigas — para os combinar em diferentes espécies. As que hoje aqui trazemos são pequenas e têm folhas estreitas; a primeira é conhecida nos Açores por diabelha; a segunda, não sendo muito diferente, merece o mesmo nome.

O Plantago coronopus, que forma bonitas rosetas perfeitamente circulares, é uma planta euro-asiática que gosta de dunas e de maresia mas é suficientemente versátil para quase fazer o pleno das províncias portuguesas; só a Beira Alta lhe escapa. Nos Açores, onde a fotografámos, é uma planta nativa que surge esporadicamente nas falésias negras de lava à beira-mar.

Plantago holosteum Scop.


A diabelha-da-serra (nome inventado agora mesmo para o Plantago holosteum) é uma planta muito mais desgrenhada, restrita às zonas montanhosas da Península Ibérica e da bacia mediterrânica, e em Portugal ao extremo norte (Beira Alta, Douro Litoral, Minho e Trás-os-Montes). Aprecia os ares frescos da serra e os solos ruins e pedregosos — e, menos bisonha do que as suas congéneres, consegue dar nas vistas pelo amarelo vivo das suas flores.

19/12/2011

Amarela dos prados

Arnica montana L.
O lado simpático dos remédios caseiros é que o seu uso e confecção não dependem de médicos, farmácias e laboratórios. São uma afirmação de independência e uma forma de ligação directa à natureza. Essas são também as razões para o seu declínio: a independência é vista com desconfiança; e, numa sociedade urbanizada, o conhecimento da natureza e das ervas medicinais vai-se inevitavelmente esvaindo. Além disso, as supostas propriedades curativas de muitas dessas ervas têm sido frequentemente desmentidas por testes rigorosos.

Quem gosta das plantas por elas mesmas, sem ser movido por preocupações utilitárias, tem alguns motivos para temer a depredação que a farmacopeia popular (ou o que dela resta) pode causar em certas preciosidades botânicas. Um exemplo emblemático é a argençana-dos-pastores (Gentiana lutea), em vias de desaparecer da serra da Estrela, único local onde existe em Portugal, por causa da avidez com que os tais pastores a colhem. As raízes, de que se extrai um tónico amargo que estimula o trânsito digestivo, são a parte mais cobiçada da planta. Como ela pode demorar uma dezena de anos até florir pela primeira vez, a maioria dos indivíduos é colhida muito antes de poder contribuir para a propagação da espécie.

A Arnica montana é também uma herbácea perene com reputação medicinal, mas tem um ciclo de vida mais acelerado; e, embora escassa em Portugal, não corre tamanho risco de erradicação. Vive em lameiros e turfeiras, em zonas mais ou menos montanhosas do norte e centro do país. Tem folhas quase todas em roseta basal, lanceoladas e peludas, e hastes até 60 cm encimadas por 1 a 4 capítulos florais, cada um deles com 6 a 8 cm de diâmetro. A sua floração estende-se de Maio a Julho.

Diz a tradição popular que a arnica, ou a tintura que dela se prepara, é boa para tratar contusões; um dos nomes populares da planta é mesmo panaceia-das-quedas. Contudo, estudos recentes parecem comprovar que a sua eficácia é equiparável à de um placebo. E a aplicação interna, também tradicional, é de todo desaconselhada pela toxicidade da planta. Deixem-na pois estar no seu lameiro, que ela triturada de pouco serve e basta o seu alegre dourado para nos tonificar a alma.

16/12/2011

Orelhas de lebre

Cynoglossum creticum Mill.

Mencionámos há tempos uma outra espécie do género Cynoglossum, o C. clandestinum Desf., planta mediterrânica com panículas de flores pequenas teimosamente fechadas e, supomos, com pouco néctar para oferecer. Se forçássemos as flores a abrirem-se, veríamos corolas tubulares campanuladas de cinco pétalas como estas, com cerca de 3 mm de diâmetro e cor azul-violáceo ou rosa, mas sem a venação escura que se observa nestas fotos. Além disso, as folhas, sépalas e caules jovens do C. clandestinum exibem um indumento amarelo que no C. creticum é branco. Mas são ambas herbáceas bienais e tomentosas, que apreciam lugares abertos e secos. O C. creticum floresce na Primavera e Verão, o C. clandestinum inicia a floração no Inverno.

O C. creticum é nativo da região mediterrânica, Europa central, Açores, Madeira e Canárias. Na Península Ibérica só parece rarear no noroeste. O género tem cerca de 80 espécies na Europa, Ásia e África, das quais oito são espontâneas em Espanha (uma é mesmo um endemismo) e apenas três em Portugal (C. clandestinum Desf., C. cheirifolium L. e C. creticum Mill., além de um possível híbrido, o C. cheirifolium × C. creticum).

Revisitamos hoje este género porque o fruto não pôde então ser mostrado. Aqui o podem ver com as quatro «nozes» e o gancho que tanto incomoda o gado lanudo.

15/12/2011

Patinha-de-osga

Hymenocarpos lotoides (L.) Vis.


Depois do Dorycnopsis gerardi, é altura de apresentarmos mais uma leguminosa a que Lineu chamou Anthyllis mas que acabou por se arrumar noutro género. E aos desertores Dorycnopsis e Hymenocarpos há ainda que acrescentar o género mono-específico Tripodium, também resultante de cisão no género Anthyllis. Não admira, pois, que este último esteja francamente depauperado: em território português só sobra uma espécie no continente (A. vulneraria, dividida em quatro subespécies) e outra na Madeira (A. lemanniana, endemismo do arquipélago).

O Hymenocarpos lotoides recebeu, em vernáculo, o nome algo viscoso de patinha-de-osga, que para nós permanece misterioso por falta de ocasião para confrontar ao vivo o bicho com a planta. Mais fácil é dissecar o nome científico: Hymenocarpos refere-se à membrana (hymeno) circular que enfeita o fruto (carpos) do H. circinnatus; o epíteto lotoides informa-nos da semelhança da planta com as leguminosas do género Lotus.

A (seja então) patinha-de-osga é uma herbácea anual algo hirsuta, bastante ramificada, com hastes até 50 cm de comprimento; as folhas são compostas por um número ímpar de folíolos, às vezes por um só; nas inflorescências destacam-se os cálices alongados, marcados por estrias castanhas. Distribuída pela Península Ibérica e por Marrocos, e presente em Portugal de Trás-os-Montes ao Algarve, vive em terrenos incultos ou charnecas, e floresce ao longo da Primavera. No Douro é fácil vê-la florida no mês de Maio, ocupando as bermas das estradas para os lados de São Salvador do Mundo e da barragem da Valeira.