15/07/2011

Douro, branco ou tinto

Doiro, rio e região, é certamente a realidade mais séria que temos. Nenhum outro caudal nosso corre em leito mais duro, encontra obstáculos mais encarniçados, peleja mais arduamente em todo o caminho; nenhuma outra nesga de terra nossa possui mortórios tão vastos, tão estéreis e tão malditos. (...) Patético, o estreito território de angústia, cingido à sua artéria de irrigação, atravessa o país de lado a lado. E é, no mapa da pequenez que nos coube, a única evidência incomensurável com que podemos assombrar o mundo. Miguel Torga, 1950


Anacamptis morio subsp. picta (Loisel.) P. Jacquet & Scappaticci (variedade alba)
Descoberta de Duarte Victorino Marques.

Estas são algumas das orquídeas que observámos em Maio durante uma expedição ao Douro organizada pela AOSP — Associação de Orquídeas Silvestres — Portugal. Atente o leitor às legendas para saber mais sobre cada planta.

Serapias perez-chiscanoi Acedo
Nova espécie para a flora do Douro.
População encontrada por Luísa Borges e Joaquim Pessoa.



Orchis ustulata L. [= Neotinea ustulata (L.) R. M. Bateman, Pridgeon & M. W. Chase]
Nova espécie para a flora portuguesa.
Sete plantas localizadas em 2010 por José Monteiro.

14/07/2011

Erva do bom despacho

Aristolochia pistolochia L.
Na verdade não foi por ela que visitámos a pequena mata de sobreiros e carvalhos-cerquinhos algures na Serra dos Candeeiros. Tratou-se de um prémio de consolação, pois a desejada mais uma vez se esquivou. E a Aristolochia pistolochia, a planta que rima (este Lineu tinha arroubos de poeta), não é descoberta de se deitar fora. Ainda que a Flora Ibérica garanta que ela ocorre em todo o centro e sul de Portugal e também em Trás-os-Montes, a verdade é que nunca a tínhamos visto. Frequentando bosques e clareiras de matos secos desde o sul de França às regiões de clima mediterrânico na Península Ibérica, é muito menos comum do que a sua congénere Aristolochia paucinervis, da qual se distingue pelas folhas triangulares, pelo amarelo-torrado das flores, e pelos capuzes mais proeminentes.

Depois de uma planta que, se não ajuda a evitar a gravidez, pelo menos tem semelhanças com outra a que a superstição atribuiu tal qualidade, é boa política reforçar a nossa postura neutral dando voz à facção pró-vida. Acreditavam os antigos, por a forma da flor lembrar um útero, que a Aristolochia tinha virtudes obstétricas, e daí o nome que Lineu lhe atribuiu, e que significa excelente parto. A mesma crença inspirou a designação inglesa birthwort para todas as plantas do género. Contudo, a medicina moderna desaconselha qualquer uso terapêutico destas plantas, que são tóxicas e potencialmente cancerígenas.

13/07/2011

Além Tejo

Euphorbia transtagana Boiss.


Nome vulgar: nenhum registado
Ecologia e distribuição: endemismo lusitano, da metade sul de Portugal, aparece em matos, pinhais e eucaliptais, sobre solos arenosos
Época de floração: Abril a Julho
Data e local das fotos: Maio de 2011, num eucaliptal perto da Ota
Informações adicionais: planta glabra, algo azulada, com caules ascendentes por vezes numerosos, atinge 20 a 30 cm de altura; o epíteto transtagana significa além-Tejo (de Tagus, Tejo em latim), numa óbvia referência à área de distribuição desta eufórbia

12/07/2011

Amarelo por um fio

Cicendia filiformis (L.) Delarbre
Tendo-se tornado independente do género Gentiana ainda no século XVIII, o género Cicendia conta hoje apenas com duas espécies: a C. filiformis, ex-Gentiana filiformis L., nativa do sul e oeste europeus, mas que também ocorre nas ilhas de S. Miguel e Terceira; e a C. quadrangularis Griseb., da América do Norte e do Sul, um pouco mais alta e com um cálice conspícuo. São ambas plantas anuais, raramente bienais, delicadas e minúsculas. As flores, em geral solitárias, são longamente pediceladas e têm um cálice tubular em cujo topo se forma uma corola de quatro pétalas amarelas que só abrem em pleno sol.

Os exemplares de Cicendia filiformis, com uns 5 cm de altura, que encontrámos numa encosta encharcada na serra do Açor, pareciam alfinetes de gravata. As folhas basais estreitas, um pouco carnudas, de 2-6 mm de comprimento, mal se distinguiam no meio das outras herbáceas, até porque murcham depressa; as poucas caulinares, opostas e de formato triangular, pela sua pequenez também quase não se viam. Os traços de família que ligam esta planta aos centauros (género Centaurium) são suficentemente vincados para que os ingleses, desconhecendo o C. maritimum, lhe chamem yellow centaury.

Diz-se aqui que o nome Cicendia teria origem em kikenda, usado em algumas regiões italianas para se referirem às gencianáceas; mas tal é improvável pois Antoine Delarbre (1724-1813), que o registou em 1795, era francês. Acredita-se mais na informação veiculada neste Botanical Dictionary: segundo ele, derivaria de Çyçen (ou Cicend), cidade da Albânia; ou de címbalo, em alusão à disposição da corola – a explicação mais plausível.

11/07/2011

Três lagoas, três bicos

Margens turfosas, revestidas de Sphagnum, da Lagoa Branca (ilha das Flores)
Há molhas que vêm por bem. O dia até começara promissor, embora o pequeno-almoço no hotel, servido só a partir das 8h00, me atrasasse a saída. Menos de uma hora depois já estava eu no táxi a caminho do miradouro das lagoas. De lá de cima contemplar-se-iam, rodando a vista, nada menos que três lagoas: a Comprida, a Negra e a Branca. O nevoeiro, porém, zangado por não ser tido em conta, resolveu fazer das suas: encurtando o raio de visibilidade para cerca de 10 metros, conseguiu a proeza de ocultar não só todas as três lagoas como o próprio miradouro. Ao fim de meia dúzia de passos, já não sabia de pontos cardeais e duvidava até que ainda pisasse terra firme. O taxista desconfiara dos meus preparos, mas lá me havia largado onde eu lhe pedira. Prometera-lhe que o chamaria depois do almoço para me ir buscar à Fajã Grande.

Ao nevoeiro veio juntar-se a chuva. Mansa e miudinha para começar, logo depois mais intensa, mas enfrentei-a com determinação: afinal vinha prevenido com capuz e capa impermeáveis; e, ainda que as lagoas estivessem em greve de zelo, ia dando para esquadrinhar a vegetação em redor à cata de plantas rasteiras. Só tinha que limpar os óculos e depois olhar em volta antes que, contados 30 segundos, novamente eles ficassem tão úteis para auxiliar a visão como se viessem com lentes opacas. Consegui ver e fotografar (mal, as fotos aceitáveis tirá-las-ia dois dias depois) algumas orquídeas e ranúnculos (ou bafos-de-boi) antes de a chuva se agravar a tal ponto que seria parvoíce continuar. Já não tinha comigo nada enxuto com que limpar os óculos. As roupas, se as espremesse, dariam para encher vários baldes. As botas de montanha haviam-se revelado eficientíssimas esponjas para absorver a água da chuva e das muitas poças do caminho. Foi este espantalho encharcado que o taxista recolheu, pouco passava do meio-dia, num cruzamento ainda longe da Fajã Grande.

Banho de chuveiro, troca de roupa, almoço no hotel, visita de emergência às lojas de Santa Cruz das Flores para comprar sapatos e galochas, eis que são três da tarde, já não chove e ainda há dia para gastar. Decido-me por uma visita à Fajã de Lopo Vaz, na costa sul da ilha, onde um folheto distribuído no posto de turismo anuncia um trilho que se pode fazer em duas ou três horas. Mais um táxi, mais uma corrida. É verdade que a ilha é exígua — são só 17 km de uma ponta à outra — mas, como as estradas não são planas nem a cruzam em linha recta, não é prático percorrê-la toda a pé.

A visita à Fajã de Lopo Vaz confirmou que, no litoral da ilha das Flores, os estragos da vegetação infestante (incenso, canas, conteiras, feto-azevinho) não são menos sérios do que no resto do arquipélago. Antes de iniciar a descida, porém, resolvi espreitar a velha plantação de criptomérias no cimo da escarpa. E foi então que vi, pela primeira vez, o muito apropriadamente chamado feto-de-três-bicos.

Asplenium hemionitis L.


Este feto singular, com folhas de 10 a 30 cm de diâmetro que fazem lembrar as da hera, bem poderia ser um dos nossos símbolos nacionais: ocorre nos Açores e na Madeira e tem, em Sintra e em Mafra, as suas únicas populações conhecidas em todo o continente europeu. Embora também presente nas Canárias, em Cabo Verde e no norte de África, é clara a responsabilidade de Portugal na preservação de uma espécie que vive dias difíceis, e que só na Madeira parece ter um futuro risonho.

É patente a afinidade do feto-de-três-bicos com a língua-cervina: ao contrário dos fetos mais comuns, estes dois têm folhas inteiras, não divididas em pinas ou pínulas. Além do mais, comungam a preferência por lugares umbrosos e húmidos. Tanto assim é que na mesma mata de criptomérias era possível vê-los lado a lado. Contudo, numa ilha tão pluviosa como as Flores os requisitos de humidade são satisfeitos mesmo num muro exposto ao sol: foi nesse habitat que, dias depois, reencontrei ambos os fetos noutros locais da ilha. (Infelizmente, a distância a que me encontrava do Porto não permitiu que me habilitasse aos prémios do Grande Concurso Dias com Árvores.)

O epíteto hemionitis, atribuído por Lineu ao feto-de-três-bicos, justifica-se pela semelhança com um feto da América tropical a que o mesmo Lineu chamou Hemionitis palmata. Já o nome deste último tem uma explicação enigmática: hemionos em grego significa mula, que é um bicho estéril. O feto Hemionitis (informa William T. Stearn) encorajaria a esterilidade, e terá sido usado por mulheres como amuleto contra a gravidez.

08/07/2011

Fajã Grande

Ilha das Flores
Emperor penguins have been in fashion lately, with cinematic and TV voiceovers urging us to anthropomorphism. How can we resist their loveably incompetent bipedalism? See how they rest lovingly on one another's breasts, shuffle a precious egg between parental feet, share the food search just as we share supermarket duties. Watch how the whole group huddles together against the snowstorm, demonstrating social altruism. Aren't these egg-devoted, chore-dividing, co-parenting, seasonally monogamous Emperors of the Antartic strangely reminiscent of us? Perhaps; but only to the extent that we are unstrangely reminiscent of them. We are just as good as they are at passing for God-created while being smacked and wheedled by implacable evolutionary urges. And given that this is so, what — again — does this make of the proposal that wonder at the natural but empty universe is a full replacement for wonder at the works of an imaginary friend we have created for ourselves? Having come to evolutionary self-consciousness as a species, we cannot go back to being penguins, or anything else. Before, wonder was a sense of babbling gratitude for a creator's munificence, or squittering terror at his ability to deliver shock and awe. Now, alone, we must consider what our Godless wonder might be for. It cannot be just itself, only purer and truer. It must have some function, some biological usefulness, some practical, life-saving or life-prolonging purpose.

Julian Barnes, Nothing to be Frightened of (Jonathan Cape, 2008)

07/07/2011

Estranho pólen


Salix arenaria L.
[em baixo à esquerda, flores femininas; à direita, flores masculinas]


Os choupos (género Populus) e salgueiros (género Salix), por pertencerem à mesma família botânica, têm algumas características em comum. Uma delas é que, tal como os animais, as populações destas árvores estão organizadas por sexos. Há árvores masculinas e árvores femininas: só as primeiras é que produzem pólen e só as segundas é que produzem sementes. As flores masculinas dispõem-se em amentilhos flexíveis, largando o pólen quando o vento as agita; excepcionalmente, o transporte do pólen para as árvores femininas pode também ser feito por insectos devidamente recompensados com néctar. Depois de polinizadas, as flores femininas convertem-se em frutos que, abrindo-se, deixam ver os tufos de «algodão» que rodeiam as sementes. Esse «algodão» é o modo de as sementes criarem asas e serem dispersadas pelo vento a grandes distâncias. Entre fins de Abril e princípios de Maio, quando as sementes são libertadas, andam flocos brancos pelo ar como se caísse uma neve seca. Em muitas cidades de Portugal, onde o choupo híbrido (Populus x canadensis) foi plantado em larga escala, é essa a altura de as pessoas se queixarem das suas alergias, atribuindo as culpas àquilo a que chamam pólen dos choupos.

Há aqui, evidentemente, vários equívocos. Chamar pólen às sementes do choupo é tão disparatado como chamar pólen às pevides de uma laranja. E esse algodão que envolve as sementes, podendo ser motivo de algum incómodo, não é o responsável pelas alergias. São os pólenes invisíveis de que o ar está carregado — produzidos por gramíneas, por árvores de fruto, e até por ervas espontâneas como a Parietaria judaica — que provocam as reacções alérgicas. Mas como o que se vê é o «pólen dos choupos», toca de amaldiçoar a árvore e exigir o seu abate. Decorre no país, de norte a sul, uma caça ao choupo que parece uma caça às bruxas. É sempre mais fácil gratificar a ignorância (como se faz nesta vergonhosa notícia do JN, em que até uma «especialista» patenteia a sua incompetência) do que tentar corrigi-la.

São fotos do salgueiro-anão que encabeçam esta prosa; está pois na altura de falarmos dele. Trata-se de um arbusto em geral rasteiro, mas que por vezes atinge 1,5 m de altura. Em Portugal parece estar restrito ao litoral entre o Mindelo (Vila do Conde) e Peniche. A Mata Nacional das Dunas de Quiaios, local onde as fotos foram captadas, reúne das maiores e mais bem conservadas populações da espécie que conhecemos.

Há algumas dúvidas taxonómicas quanto a este salgueiro: há quem considere que Salix arenaria e Salix repens são sinónimos, outros opinam que o primeiro é subespécie do segundo, outros ainda que se trata de duas espécies autónomas. Em todo o caso, parece haver duas formas suficientemente distintas do salgueiro-anão: a que vive nas dunas do litoral (S. arenaria) e outra, em geral menos corpulenta, que se encontra nalgumas (poucas) turfeiras da serra do Gerês (S. repens).

06/07/2011

Erva da lava

Euphorbia azorica Seub.
[foto 1: © Jaime Bairos / fotos 2 e 3: © P. V. Araújo]


Nome vulgar: erva-leiteira
Ecologia e distribuição: endemismo açoriano, presente em falésias, rochas e areais costeiros de todas as ilhas do arquipélago
Época de floração: Abril a Julho
Data e local das fotos: Junho de 2008, ilha de Santa Maria (foto 1); Junho de 2011, ilha das Flores (fotos 2 e 3)
Informações adicionais: esta Euphorbia é uma das duas espécies do género endémicas dos Açores; muito ramificada, atinge os 30 a 50 cm de altura
Agradecimentos: a Daniel Gonçalves e a Jaime Bairos, da ilha de Santa Maria (ao primeiro por nos ter enviado as fotos que o segundo tirou, e a este por ter autorizado a sua publicação no blogue)

05/07/2011

Rosetta


Jurinea humilis (Desf.) DC.


A primeira citação conhecida sobre a presença desta espécie em Portugal é de Rosette Batarda Fernandes que, em 1961, publicou uma nota, no Anuário da Sociedade Broteriana, registando a sua descoberta deste novo género para a flora portuguesa em interstícios de rochas xistosas na serra da Estrela, durante uma expedição, no Verão de 1959, liderada por Abílio Fernandes. A indicação vaga, como era então frequente, do local, além da dificuldade de outrora em viajar pela serra, levou entretanto ao receio de que estivesse extinta em Portugal. Cerca de quarenta anos depois, Paulo Silveira encontrou-a nessa e em cinco outras localidades da Cordilheira Central, em habitats xistosos acima dos 1300 metros (A flora da Serra do Açor, Guineana, vol. 13, 2007).

P. Silveira deduz da distribuição desta planta por cá — rara, apesar de as suas sementes não terem dificuldade em se disseminar com o vento e o gado só lhe trincar as folhas no Verão, deixando intactos os aquénios — que ela requer ambientes de montanha cada vez mais altos à medida que a latitude aumenta. O que poderá justificar que, por exemplo, não ocorra na serra (xistosa) do Marão. Estranha-se que uma planta aprecie Invernos tão frios e húmidos, seguidos de meses tórridos e secos, vegete em cascalheiras expostas à humidade oceânica de noroeste, e nem chegue a florir se este conforto lhe faltar. Apesar disso, esta erva vivaz de rizoma avantajado, por vezes lenhosa na base, é abundante na região mediterrânica oeste.

Fomos à procura dela num dos locais, na serra do Açor, referenciados por P. Silveira. Na cumeeira próxima estão agora instalados aerogeradores, com os inevitáveis estradões e, junto ao marco geodésico que nos servia de referência, havia jipes cujos passageiros comunicavam, em linguagem cifrada e sonoro registo, com o além. Na primeira visita, ainda Inverno, aquele topo era uma massa de nuvens onde quase nos perdemos. Na Primavera, já se podiam ver as rosetas rentes ao solo (humilis) de folhas aveludadas da Jurinea, com 2 a 3.5 cm de comprimento, face inferior algodoada, longo pecíolo e margens fendidas e levemente enroladas. Tudo a postos, portanto, para uma terceira visita no início do Verão: há um mês, mesmo na base do marco, dezenas de exemplares desta planta composta exibiam finalmente capítulos solitários de flores coradas como cardos de cerca de 2.5 cm de diâmetro. Para premiar a nossa militância, havia até meia dúzia de pés com flores brancas e, a acompanhá-las, também em flor, a Arabis beirana P. Silveira, J. Paiva & N. Marcos, um endemismo lusitano de que apenas se conhecem escassas populações.

O suíço André Jurine (1780-1804) foi médico e naturalista, e morreu jovem.

04/07/2011

Aditamento às cruzes

Murbeckiella boryi (Boiss.) Rothm.


Isto de ser a montanha mais alta do nosso território continental traz privilégios e obrigações. Entre as obrigações conta-se a de se fingir igual aos Alpes ou aos Pirenéus: daí os bangalós ao estilo suíço das Penhas da Saúde e as pistas reforçadas com neve artificial quando a genuína não chega para as encomendas. Já os privilégios são um bom motivo para nos regozijarmos: além das paisagens únicas, a Serra da Estrela alberga plantas que, em Portugal, não existem em mais lado nenhum. Uma delas é justamente a Murbeckiella boryi, uma pequena crucífera (caule até 25 cm) que vive em fendas de rochas graníticas em altitudes superiores a 1300 metros (há rumores da sua ocorrência também no Gerês, mas por lá ela é dificílima de encontrar). As suas flores brancas, que têm cerca de 1 cm de diâmetro e surgem de Abril a Agosto, são algo semelhantes às da Arabis (ver aqui e aqui) — que, porém, não costuma ter folhas tão recortadas.

A Murbeckiella boryi, aliás, já se chamou Arabis carpetana; e também já experimentou ser Cardamine, Sysimbrium e outras coisas mais. A crise de identidade foi resolvida em 1939, quando o botânico alemão Werner Hugo Paul Rothmaler (1908-1962) agregou no novo género Murbeckiella três espécies endémicas da Península Ibérica.

O nome científico completo Murbeckiella boryi (Boiss.) Rothm. bem merece uma leitura antroponímica — ou uma mini-ilustração de como dar nome de gente a uma planta garante um arremedo de imortalidade. Rothm., já se adivinha, é abreviatura de Rothmaler. O Boiss. entre parênteses indica que foi o suiço Pierre Edmond Boissier (1810-1885) quem primeiro registou um nome para esta planta: chamou-lhe então (em 1838) Cardamine boryi. O epíteto boryi terá sido homenagem ao naturalista francês Jean Baptiste Bory de Saint-Vincent (1778-1846). Finalmente, o nome genérico Murbeckiella recorda o explorador e botânico sueco Svante Samuel Murbeck (1859-1946), grande estudioso da flora do norte de África.

01/07/2011

A orquídea mais ocidental da Europa

Platanthera azorica Schlecht. Platanthera micrantha (Hochst.) Schlecht.

Nota. Em Dezembro de 2013, graças ao artigo Systematic revision of Platanthera in the Azorean archipelago, de Richard Bateman et al., esta espécie passou a chamar-se Platanthera micrantha.

Depois de avistar vários exemplares da Azorean smaller orchid, com diferenças significativas de tamanho e matiz de verde, convencemo-nos de que algum deles seria a Azorean greater orchid. Mas era pouco provável porque, apesar de partilharem o habitat, esta é muito mais rara. O Paulo fotografou-a na ilha das Flores a espreitar por entre a urze numa cratera acima dos 500 m; nas várias deambulações pela ilha, não se encontraram mais do que seis plantas.

Entre estes dois tamanhos, não há outras orquídeas nas Flores. Noutras ilhas açorianas ocorre ainda a Serapias cordigera L. (a que chamam bico-de-queimado) e, na Terceira e Sta. Maria, pode ver-se também a Serapias parviflora Parl. (a que, estranhamente, dão o mesmo nome que no continente, serapião-de-língua-pequena). Apesar disso, o povo nunca reparou nesta orquídea e, por isso, ela ainda não tem nome comum em português. É, como a P. micrantha, endémica dos Açores, mas apenas referenciada nas ilhas de S. Miguel, S. Jorge, Pico, Faial, Flores e, mais recentemente, Corvo.

Gosta de encostas declivosas e da margem da floresta laurissilva, é mais robusta do que o conchelo-do-mato (a da foto mede cerca de 60 cm de altura), tem uma inflorescência esbranquiçada mais alta mas mais lassa, e as duas folhas basais são bastante mais largas e compridas. Mas a diferença maior com a P. micranta está na posição das sépalas, descaídas como orelhas de cachorro Basset Hound, e no labelo, mais estreito e curvado para cima, por vezes a cobrir a entrada do esporão, que é notoriamente mais fino e comprido (7-10 mm).

As duas Platanthera(s) açorianas têm um mês de floração conjunta, mas não se lhes conhecem híbridos. Esse isolamento, que comprova estarmos perante duas espécies bem definidas, é reforçado pela tendência para a auto-fertilização. É bem provável, porém, que no continente europeu, americano ou africano viva ainda, inalterado, um ascendente comum destas duas orquídeas irmãs.

30/06/2011

Águas paradas

Baldellia alpestris (Coss.) M. Laínz


Enquanto que a sua prima se contenta em molhar o pé na água, a Baldellia gosta de mergulhar nela de corpo inteiro. Ficam à tona umas folhas a flutuar e umas flores esparsas que mal levantam o pescoço acima do nível da água. A diferença não está no caudal disponível, mas na envergadura das duas plantas: 15 cm para uma contra dez vezes mais da outra. Ainda assim, as flores de três pétalas (que na Baldellia alpestris surgem solitárias, cada uma na sua haste) são um inconfundível traço de união familiar. Aliás, o género Baldellia, baptizado pelo botânico Filippo Parlatore em 1848 em homenagem ao fidalgo toscano Bartolommeo Bartolini Baldelli (1804-1868), fora antes incluído por Lineu no género Alisma.

Segundo a Flora Ibérica, ocorrem em Portugal e Espanha três espécies de Baldellia. As flores de todas elas têm vida curta: as pétalas caem três a sete horas depois de abrirem. A B. alpestris, que é um endemismo do noroeste peninsular, vive em riachos, lagos ou turfeiras, em altitudes geralmente superiores a 500 m. Não desdenha porém frequentar regiões mais baixas, pois, além de a termos visto no Gerês e em Corno do Bico (Paredes de Coura), também a encontrámos em Alfena (Valongo). Graças aos seus caules estolhosos, chega a formar tapetes consideráveis. Tanto as folhas como os pedúnculos florais emergem directamente do caule, e a planta floresce de Abril a Julho.

29/06/2011

Maleiteira doce

Euphorbia dulcis L.


Nome vulgar: nenhum registado (maleiteira é designação de pelo menos duas outras espécies de Euphorbia; doce é tradução de dulcis)
Ecologia e distribuição: bosques e prados húmidos, margens de cursos de água em altitudes até aos 1900 m; aparece em grande parte da Europa, desde a Península Ibérica até à Rússia
Distribuição em Portugal: norte e centro do território continental (Ribatejo, Beiras, Douro Litoral, Minho e Trás-os-Montes)
Época de floração: Abril a Julho
Data e local das fotos: Abril de 2011, Ameijoeira (PNPG)
Informações adicionais: esta espécie, que tem hastes delgadas e atinge uns 30 a 40 cm de altura, apresenta um porte intermédio entre o das pequenas eufórbias herbáceas e o de outras mais robustas como a E. hyberna