Bloomsbury
Bury é palavra do inglês antigo que designa fortificação ou castelo; corresponde ao borough do inglês moderno, numa evolução que atesta como modernizar pode não ser simplificar. Da mesma raiz latina nasceu o burgo português. Chegamos assim a uma possível explicação do topónimo que dá título a este texto: Bloomsbury seria Burgo das Flores ou talvez Burgo em Flor. O inglês é porém uma língua traiçoeira que tem fraco comércio com a lógica: aquele bloom não resultou de nenhuma flor, mas sim (de acordo com a Wikipedia) do desgaste a que o uso dos séculos submeteu o antropónimo Blemond.
Sucede no entanto que a interpretação florida do nome Bloomsbury, mesmo tendo por base um equívoco fonético, acaba por ter uma contrapartida bem real. Bloomsbury é o bairro de Londres onde as praças ajardinadas são de acesso livre, e não — como sucede em Chelsea, South Kensington, Belgravia e em inúmeros outros bairros da capital britânica — restrito aos privilegiados moradores dos respectivos quarteirões. É pois um lugar aberto em que os jardins são franqueados a toda a gente: trabalhadores locais no intervalo do almoço, estudantes do vizinho University College, indígenas desocupados, a massa heterogénea e sempre renovada de turistas. A informalidade é regra quase compulsiva: nos dias de Verão são muitos mais os que se estendem na relva do que aqueles que se acomodam num banco de jardim.
Esse anti-elitismo de Bloomsbury vem de longe. Aprendemos com os romances vitorianos que morar em Bloomsbury, no século XIX, não era propriamente um sinal de distinção, apesar da imponência marcante do Museu Britânico. Podiam viver no bairro pequenos proprietários ou profissionais medianamente bem sucedidos, à mistura com uns tantos intelectuais, mas a aristocracia, tanto a de sangue como a financeira, nunca escolheria lá morar. Em Bloomsbury trabalhava-se e estudava-se; os lugares da diversão requintada, com a épica saison estival de bailes e jantares de gala, eram bem outros.
Além de ter registado para a posteridade como era a Bloomsbury novecentista, a literatura ajudou à transformação do lugar ao dar-lhe uma imorredoura aura cultural. O famoso grupo de Bloomsbury que gravitou à volta de Virginia Woolf reunia-se nas casas que rodeiam os mesmos jardins que hoje podemos visitar. Muitos desses edifícios foram desde então ocupados pela Universidade de Londres; Gordon Square e Woburn Square (foto acima), talvez as mais bonitas e pacatas praças de quantas existem no bairro, frequentadas que foram por Virginia e pelo seu marido Leonard, são também hoje património universitário.
Talvez nada haja de espectacular nos jardins que preenchem essas praças. O que há é uma normalidade quotidiana que preza a sombra das árvores e faz do sossego e do bom gosto uma componente essencial da vida urbana. Nesses jardins há sempre flores, e não apenas em arranjos formais: alguns recantos (especialmente em Gordon Square) parecem retalhos de natureza que escaparam incólumes ao cerco da cidade.
Antes de avançarmos pela Primavera dentro, fazemos uma pausa citadina: as flores e árvores que esta semana nos visitam vêm todas das praças de Bloomsbury. Para começar temos plátanos, uma ameixeira-de-jardim, arbustos diversos, e Gandhi em Tavistock Square rodeado por tulipas.