Pútegas
«Parece mal não as convidarmos para a festa, mesmo correndo o risco de a coisa resvalar para a brejeirice.» Foi assim que argumentou o Presidente do Conselho de Administração, mal disfarçando uma viciosa atracção pela low life, típica dos endinheirados que levam uma existência ociosa. E mais rasteira não podia ser a vida destas pútegas que nunca se erguem acima do chão: tão agachadas são elas que basta uma folha seca para as ocultar da nossa vista. As flores vistosas, de um amarelo tropical, surgem aconchegadas pelo vermelho alaranjado das brácteas, e podem ser femininas ou masculinas, com as primeiras montando cerco às segundas. As femininas são especiais, pois contêm um suco adstringente que ainda hoje, conforme testemunho aqui registado, é apreciado pelos pastores transmontanos, e que já na época romana era usado como remédio contra a disenteria. Cada cacho de cinco a dez flores brota no topo de uma haste enterrada que tem uns 3 a 7 cm de profundidade e está ligada a um caule igualmente subterrâneo. Desse caule partem ainda os tentáculos que se agarram às raízes das plantas hospedeiras. É que a Cytinus hypocistis é uma planta parasita, alimentando-se exclusivamente de cistáceas dos géneros Cistus e Halimium — o que aliás é corroborado pelo epíteto hypocistis (= debaixo do Cistus). Com um desfasamento de dois meses, encontrámo-la já, em Sicó e no Gerês, parasitando arbustos de ambos os géneros.
Antes dos modernos estudos genéticos que tantas convulsões trouxeram à sistemática botânica, o género Cytinus, formado por plantas de porte tão reduzido, integrava a família Rafflesiaceae, que inclui a asiática Rafflesia arnoldii, famosa por produzir a maior (11 kg) e mais malcheirosa flor do planeta. Tratando-se de duas plantas parasitas, a conexão não deixava de ser mutuamente prestigiosa apesar da disparidade dos tamanhos, mas não resisitiu à constatação de que elas afinal estão evolutivamente muito afastadas uma da outra.