Traços de família
Convolvulus althaeoides L.
Com possível excepção de Jesus Cristo, ninguém escolhe a família em que nasce. Devemos, pois, lutar contra o preconceito, e julgar cada indivíduo pelas suas qualidades intrínsecas. Essa regra de conduta vale tanto para o mal como para o bem: o filho do ladrão só é criminoso se tiver cometido um crime, e o filho da nobreza só é excepcional se os seus feitos assim o comprovarem.
Está bem, está bem, mas é ou não verdade que quem sai aos seus não degenera e que filho de peixe sabe nadar? (Este povo é incorrigível, sempre de lugar-comum engatilhado para abortar qualquer embrião de pensamento.) Ou, adaptando o chavão ao reino vegetal, é ou não verdade que filha de invasora sabe invadir?
Saber, lá isso sabe, mas a verdade é que não invade muito, pois a Convolvulus althaeoides (ou corriola-rosada), ainda que espalhadiça como quase todas as convolvulácias, tem uma distribuição esparsa em território nacional. (Globalmente, é nativa da Península Ibérica e dos países da bacia mediterrânica.) Com vistosas flores cor-de-rosa de 4cm de diâmetro produzidas de Abril a Agosto, e folhas recortadas fazendo lembrar as da malva, a sua beleza valeu-lhe ser cultivada nos jardins do norte da Europa. Mas não sem cautelas: para evitar a propagação descontrolada, recomenda-se que seja plantada em vasos ou noutros recipientes enterrados no solo.
Encontrámos esta planta no final de Maio, à margem de uma das estradas que serpenteiam pela Serra dos Candeeiros. A experiência ensinara-nos que as plantas da serra (e de outros lugares semelhantes) se dividem em duas classes disjuntas: as que vegetam junto às estradas, e as que enfeitam os percursos pedestres recomendados para visitantes. Por isso, sabendo que não a reencontraríamos, não hesitámos em parar o carro. Às vezes dá pena que nas auto-estradas não dê para fazer o mesmo. Será para evitar atitudes como esta de algum botânico amador tresloucado que nas auto-estradas portuguesas se rapa à escovinha a vegetação dos taludes?