31/10/2009
Árvores despassaradas
O texto que deveria aparecer aqui hoje teve a sua publicação adiada para amanhã. A gerência pede desculpa - mas recomenda, à laia de compensação, que o leitor espreite este texto ontem publicado no blogue da associação Árvores de Portugal.
Publicada por Paulo Araújo em 31.10.09 0 comentários
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30/10/2009
A vida horizontal
Quercus robur L. - Epping Forest
E se as árvores, em vez de morrerem de pé, vivessem deitadas? Mesmo que as raízes da árvore não sejam alicerces suficientemente firmes para resistirem a uma tempestade, cair pode não ser o fim, mas apenas uma mudança de postura: a vida continua, ainda que na horizontal.
Na memória do povo britânico, a data de 16 de Outubro de 1987 tem uma ressonância de tragédia. Nesse dia, uma das maiores tempestades da história atingiu o leste e o sudeste de Inglaterra. No mar houve poucos barcos naufragados, e os estragos em terra não foram, na sua maioria, nem em casas, nem em estruturas construídas. Notável foi o número de árvores tombadas, superior a dez milhões. As chuvas que antes tinham caído haviam ensopado os solos, o que diminuíra a estabilidade das árvores; e elas, além do mais, estavam pesadas da folhagem, apesar de já chegado o Outono.
Houve de imediato uma mobilização geral, com generosos donativos para «limpar» as florestas e plantar novas árvores em substituição das que se tinham «perdido». Mas, no entender de Oliver Rackham, autor de Trees & Woodlands in the British Landscape (Phoenix Press, 2.ª ed. 1990), esse impulso voluntarista causou estragos muito mais sérios do que a tempestade em si. Porque, na verdade, e pelo menos na sua grande maioria, as árvores tombadas não estavam perdidas. Se o tronco não se tivesse quebrado, e se as raízes se mantivessem, em parte, agarradas à terra, a árvore continuava viva, embora numa posição em que não estamos habituados a vê-la. O carvalho aí em cima é uma boa amostra dessa vida horizontal: dá folhas, dá bolotas, é abrigo e sustento para outras vidas, exactamente como se estivesse de pé. Caso a árvore, em vez de cair inteira, tivesse quebrado pela cintura, do cepo alimentado pelas raízes surgiriam novos ramos que iriam, ao fim de alguns anos, refazer a copa. As florestas «arrasadas» pela tempestade estavam, afinal, tão vivas como antes, e só precisavam de tempo, e não de dinheiro, para se recomporem.
Havendo dinheiro, porém, era preciso gastá-lo. Vieram motosserras e escavadoras para remover os troncos caídos e arrancar os torrões das raízes; plantaram-se centenas de milhares de novas árvores. Se num jardim ou num parque urbano formal se aceita a pulsão de ter tudo arrumadinho, já numa floresta uma tal intervenção é danosa e esbanjadora. As árvores de viveiro têm hipóteses quase nulas de sobreviverem em ambiente natural (em Portugal muita gente com responsabilidades sabe disso, o que não impede essas mistificadoras campanhas de um milhão de árvores para aqui ou para ali); e as poucas que conseguem vingar acabam por adulterar e falsificar a composição natural da floresta, a menos que tenham sido criadas a partir de sementes obtidas no local.
E mesmo a árvore tombada que se despediu da vida, como a que vemos aí em baixo, cumpre uma função importante na ecologia de um bosque, fornecendo alimento a escaravelhos e outros insectos, abrigando pássaros e esquilos nas cavidades do tronco apodrecido. A árvore caída pode estar morta, mas ainda é parte da cadeia viva a que chamamos natureza.
Hampstead Heath
Publicada por Paulo Araújo em 30.10.09 6 comentários
29/10/2009
Dance the orange*
Pistacia lentiscus L.
Alguns dos instrumentos musicais mais célebres foram fabricados em Cremona, terra de Monteverdi nas margens do rio Pó, mas o segredo dos Amati, de Guarneri ou de Stradivari perdeu-se a meio do século XVIII. Poucos dados sobram para contar a história dos preciosos Stradivarius para além de uns poucos violinos cor de laranja, de pele tigrada, com nome próprio como se fossem gente e dotados de um som que nenhum outro imita. Reconhece-se hoje que a madeira escolhida por este luthier era excepcionalmente uniforme, com anéis de Inverno e Verão de largura quase idêntica; que a arquitectura era inovadora, sobretudo a curvatura da caixa e do arco, a largura da ponte, o enrolamento da voluta, as medidas precisas das componentes mais finas em madeira; e que a fórmula bem guardada do verniz, protegendo e isolando devidamente o instrumento, foi essencial à fama. Uma vez que nenhum proprietário-coleccionador permite que, a bem da ciência, se destrua objecto de tão grande estima, resta aos obcecados com o mistério especular sobre a origem do verniz. Ainda que Antonio Stardivari, como se crê, não se restringisse a uma receita, adaptando-se antes às necessidades de cada instrumento, entre os possíveis fornecedores dos ingredientes secretos (além do dragoeiro, Dracaena draco, e da ruiva, Rubia tinctorum) conta-se o lentisco, planta lenhosa de cuja seiva se produz o mástique, uma resina cor de limão de aroma adocicado que também se utiliza em odontologia.
Arbusto perene de terras pedregosas ou bosques em Marrocos, Ilhas Canárias e Sul da Europa até à Grécia, o lentisco tem folhas pinadas com cerca de 10cm de comprimento, dotadas de pecíolo alado e desprovidas de folíolo terminal - duas características que o diferenciam do terebinto. Como todas as pistácias, o lentisco é dióico; não temos ainda fotos de flores femininas, mas, entre Março e Maio, o lentisco enfeita-se de panículas de cerca de 3cm com flores de anteras rubras (masculinas, as da foto à esquerda), ou de outras maiores (6cm), mas menos densas, com flores femininas castanho-esverdeadas. Nestes pés, seguem-se bagas vermelhas de uns 6mm que escurecem ao amadurecer e são comestíveis (mas não as provámos). Tal como no terebinto, é comum a presença de bugalhos, que nesta espécie nascem na face superior dos folíolos.
*Rainer Maria Rilke
P.S. A Gi, sempre atenta, avisou-nos hoje (04.12.09) que há novidades: «Maria, parece que Antonio Stradivari terá usado carmim de cochinilha no verniz que punha nos seus violinos: ver aqui.»
Publicada por Maria Carvalho em 29.10.09 1 comentários
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28/10/2009
Zelha à beira Tua
Acer monspessulanum L. (zelha)
Já não há muitas destas árvores em Portugal. Na Serra dos Candeeiros, ao fundo do grande anfiteatro natural que é a Fórnea, há duas zelhas no leito pedregoso da ribeira, um curso de água sazonal que seca por completo nos meses de Verão. Enraizadas nos interstícios da pedra, cercadas por figueiras e por vegetação arbustiva, não há ângulo que lhes favoreça o retrato. E bem mereciam louvor e exposição pública, por serem quase as últimas da sua espécie em toda a serra. Na impossibilidade de lhes fazer justiça, rumamos ao nordeste do país e à bacia do Douro, que é onde resistem as populações mais abundantes da espécie (há menção, também, da sua presença no Sabugal, na Serra do Açor e na Serra da Arrábida).
O vale do Tua, como se sabe, não é refúgio muito seguro. Se a barragem for construída à cota máxima, também em Abreiro as margens do rio serão inundadas, e esta meia dúzia de zelhas abaixo e acima da linha férrea será submergida tal como o resto da vegetação ribeirinha. Se não se fizer a barragem, ou se o enchimento se ficar pela cota mais baixa, há ainda assim, caso se opte por reconstruir ou modernizar a ferrovia, razões para temer o futuro destas árvores, que quase se roçavam na automotora quando ela por aqui passava.
E assim nos vamos entretendo, pois não há só que contabilizar perdas quando se destrói o património natural. Além de favorecerem as empresas predatórias que fazem da destruição o seu negócio, são estas micro-extinções que vão engrossar os diversos livros vermelhos de espécies ameaçadas, obras de considerável mérito já com tradição em Portugal.
O Acer monspessulanum (zelha, ácer-de-Montpellier ou bordo-de-Montpellier) e o Acer pseudoplatanus (padreiro ou plátano-bastardo) são as duas únicas espécies do seu género espontâneas em Portugal; o segundo, de ocorrência muito frequente no norte do país, é também muito usado em jardins e arruamentos. O A. monspessulanum é de menor porte (até 10 metros de altura) e de crescimento lento, e a sua madeira, dura e compacta, é empregue em carpintaria de luxo e no fabrico de instrumentos musicais - como as gaitas-de-foles de Miranda do Douro. Prefere climas secos e solos calcários, embora, como atesta a sua presença no vale do Tua, tolere outro tipo de solos. A sua área de distribuição natural abrange não só a Península Ibérica, onde é mais comum no norte, mas ainda toda a região mediterrânica.
Publicada por Paulo Araújo em 28.10.09 16 comentários
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27/10/2009
Salgueirinha
Have you not a moist eye, a dry hand, a yellow cheek, a white beard, a decreasing leg, an increasing belly? Is not your voice broken, your wind short, your chin double, your wit single, and every part about you blasted with antiquity?
....Shakespeare, Henry IV (Parte 2)
Lysimachia vulgaris L.
O amarelo é cor de simbologia ambígua. Tanto serve a primazia da vida, tingindo as espigas do milho maduro, a gema de ovo e o pólen, como veste a mansidão do Outono, a decadência e a morte. É a cor do ouro e do poder, seja ele diabólico enxofrado ou angélico com um bizarro halo pálido; e também da irritabilidade associada a uma bílis imperfeita. Unido ao preto, não raro indicia perigo; precaução é afinal o que este alegre pigmento aconselha.
Argiope bruennichii (não clique que aumenta; note a teia em ziguezague)
As fontes de amarelo que se usam em pintura variam com o lugar e os meios. Pode vir do âmbar - uma resina fóssil que o contacto da água transforma em gotas de amarelo - e de plantas como o dispendioso açafrão (Crocus sativus), a tóxica Garcinia hanburyi ou a deliciosa mangueira (Mangifera indica). Algumas são venenosas, o que muitos pintores (crê-se que também Van Gogh) descobriram tarde de mais, mas terão por isso protegido muitas pinturas famosas do ataque de insectos.
Também esta lisimáquia, com floração no Verão, fornece corante amarelo, embora sejam mais aclamadas as suas qualidades medicinais, nomeadamente o efeito cicatrizante e febrífugo. É planta vivaz da Europa e Ásia, de folhagem caduca, que se multiplica facilmente por divisão das raízes. Habita ambientes ripícolas, apreciando a humidade que ajuda os rizomas a fixarem-se em solo novo.
O género Lysimachia contém cerca de 150 espécies de herbáceas no hemisfério norte (11 europeias - ou 10, uma vez que a L. minoricensis Rodr. é dada como extinta -, cerca de 130 chinesas, algumas descobertas recentemente, e 9 na América do Norte) e mais umas 30 espalhadas por África, Austrália e América do Sul. As folhas de L. nummularia L. e a L. quadrifolia L. foram em tempos usadas como substituto do chá.
Publicada por Maria Carvalho em 27.10.09 1 comentários
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26/10/2009
Pegadas ao sol
Heliotropium europaeum L.
Tornassol, nome de planta e do irascível cientista surdo das aventuras do Tintin, é tradução à letra de Heliotropium. Diz-nos tal nome que ela, a planta, se deixa guiar pelo sol, no pouco que lhe é possível mexer-se. O girassol (Helianthus annuus) tem idêntico comportamento, mas nesse caso são as «flores» que se viram para a luz - e não as folhas, como sucede com o tornassol.
O exemplar da foto não pode queixar-se de falta de oportunidade para exercitar os seus tropismos: nada lhe faz sombra e o sol bate-lhe em cheio durante todo o santo dia. Vive ao lado do larguíssimo estradão que foi rasgado quando transformaram a serra em parque eólico. Aos sons da natureza - insectos, pássaros, vento - juntou-se o incessante zumbido das ventoinhas. Os automóveis, agora frequentes, levantam espessas nuvens de pó que, assentando, recobrem toda a vegetação que margina a via.
Fazia falta estrada assim tão larga? Em muitos dos lugares de Portugal que, nominalmente, são reservas naturais e deveriam estar a salvo de invasões desregradas, as eólicas foram o pretexto para franquear o acesso a todo o tipo de veículos. Aqui perto, ainda na aldeia de Bairro mas do outro lado da EN357, fica o Monumento Natural das Pegadas dos Dinossáurios da Serra de Aire. O bicho-homem, fisicamente insignificante face aos monstros jurássicos, não pode competir com eles imprimindo no chão a marca do seu pé. Mas traz a sua maquinaria e deixa um rasto de paisagem destruída: é esse o seu monumento para a posteridade.
Publicada por Paulo Araújo em 26.10.09 2 comentários
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24/10/2009
Madorneira-bastarda
Inula crithmoides L. - Murtosa, Ria de Aveiro
Para treinar os músculos da paciência o senhor Calvino colocava uma colher de café, pequenina, ao lado de uma pá gigante, pá utilizada habitualmente em obras de engenharia. A seguir, impunha a si próprio um objectivo inegociável: um monte de terra (50 quilos de mundo) para ser transportado do ponto A para o ponto B - pontos colocados a 15 metros de distância um do outro.
A enorme pá ficava sempre no chão, parada, mas visível. E Calvino utilizava a minúscula colher de café para executar a tarefa de transportar o monte de terra de um ponto para outro, segurando-a com todos os músculos disponíveis. Com a colher pequenina cada bocado mínimo de terra era como que acariciado pela curiosidade atenta do senhor Calvino.
Paciente, cumprindo a tarefa, sem desistir ou utilizar a pá, Calvino sentia estar a aprender várias coisas grandes com uma pequenina colher.
Gonçalo M. Tavares, O Senhor Calvino (2005)
Publicada por Maria Carvalho em 24.10.09 0 comentários
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23/10/2009
Tim Burton em Vila Real
Se estas figuras no largo da Igreja de São Pedro, em Vila Real, aspirassem a proezas olímpicas, a androginia de que dão mostras seria obstáculo sério, a julgar por notícias recentes. Vistas ao longe e de costas, parecem mulheres muçulmanas embrulhadas em xailes e mantos, com uma incongruente rodela de pano à cabeça para equilibrar a bilha de água ou a canastra do peixe. Encaradas de frente, revelam-se desprovidas de cabeça e deixam à mostra um peito nu, raso e masculino. Não sabemos, por isso, do que falam nas suas conversas - ali, no largo da igreja, à sombra fugidia dos plátanos, com o arvoredo do Parque Florestal em fundo. Não sabemos se é conversa de mulheres ou de homens; se é conversa atinada ou desmiolada; se a cabeça afinal faz falta e se, por conseguinte, não há conversa possível.
Publicada por Paulo Araújo em 23.10.09 1 comentários
22/10/2009
Terebinto
Pistacia terebinthus L. - vale do rio Tua em Abreiro
O Vale de Elah, a oeste de Jerusalém, foi o palco da luta entre David e Golias, e deve o nome a esta pistácia; crê-se que o termo hebraico elah usado no Velho Testamento designa também os carvalhos, destacando o vigor e a durabilidade comum a estas árvores. O terebinto é abundante na região mediterrânica, no norte de África e sudoeste da Ásia; e, como é tolerante a regimes de seca e ao frio, dá-se bem em áreas de solo quase desértico até 1500m de altitude. No Médio Oriente, onde partilha o território com a Pistacia palaestina, exemplares de grande porte estão associados a figuras bíblicas eminentes ou a teofanias.
O terebinto pode chegar aos 5 metros de altura e tem folhas compostas que caem no Inverno - com um folíolo terminal que está ausente no lentisco. Incisões no tronco fazem-no ressumar uma resina perfumada, a terebintina-de-Quio, com vasto uso em vernizes, vinhos e molhos; também pelo aroma, a madeira é preferida para caixas de charutos. As flores, sem pétalas, são púrpura e dispostas em panículas nas axilas das folhas, nascendo com a folhagem nova em Abril-Maio: as das plantas masculinas têm um cálice pentalobado, cinco estames, anteras gigantes e um nectário; as das femininas são feitas de um cálice fendido em três ou quatro lóbulos e um estilete curto rematado por três chifrinhos. Os frutos são drupas diminutas da cor do coral, usadas para condimentar pão ou, tostadas, numa bebida quente com o aspecto de café (e pistacia deriva do grego pistake, noz). E então, pergunta o leitor desconfiado, o que é aquela vagem que se vê na foto? É um bugalho, como os dos carvalhos, excrescência produzida pela picada de insectos que usam este «feijão» como uma barriga de aluguer - negócio naturalmente vantajoso para a árvore, que assim se protege das malfeitorias do bicho.
O género Pistacia contém nove espécies da América, Europa e Ásia. As sementes da iraniana P. vera são os saborosos pistácios dos sorvetes verdes. No Porto há um exemplar famoso de Pistacia atlantica que lhe apresentaremos num dia com mais vagar.
Publicada por Maria Carvalho em 22.10.09 8 comentários
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21/10/2009
À sombra duma azinheira
Quercus rotundifolia Lam. - Santuário de Fátima
Duzentos quilómetros para sul na A1 e ainda estamos aquém Tejo, mas Fátima é terra de azinheiras, tanto como as planícies do além (Tejo). E muito mais gente se senta à sombra delas neste centro de peregrinação do que em Grândola, vila morena da cantiga revolucionária. A lição a reter é que a árvore não tem cor política nem credo religioso: comunista ou latifundiário, ateu ou devoto, a todos abriga a azinheira que já nem sabia a idade.
A azinheira grande, testemunha das aparições de 1917, ocupa, no recinto do santuário, o centro de um grande canteiro circular, delimitado por um muro com sebe e gradeamento. Não lhe falta terra viva para o sustento, e a impossibilidade de os peregrinos lhe tocarem salvou-a de ser depenada por caçadores de relíquias, como sucedeu à azinheira em que Nossa Senhora teria pousado. Essa distância de segurança talvez impeça que, em sentido estrito, as pessoas se sentem à sua sombra: é preciso escolher o lado certo e esperar que o sol esteja baixo. Mas a árvore, que foi classificada de interesse público em 2007, ressuma história, e a sua simples proximidade já é acolhedora.
Na envolvência do santuário há muitas mais azinheiras - e dessas, por não terem tido comércio com o sagrado, toda a gente pode chegar perto. É lá que famílias inteiras, desempacotando os farnéis, abancam para os piqueniques. As oliveiras, árvores de prestígio bíblico mas de mais escassa sombra, alinham-se em extensas plantações. Duas grandes alamedas de ciprestes-do-Buçaco ladeiam o recinto. Por todo o lado há lugares sentados protegidos pelas copas das árvores.
Mesmo para quem, como eu, não partilha a religiosidade que atrai multidões a Fátima, é impossível não reconhecer a grandiosidade e a excelência arquitectónica deste lugar. Uma grandiosidade onde a brancura da pedra é atenuada pelo verde, e que não é fria nem inóspita, pois foi pensada para confortar, e não apenas para impressionar, quem a ela se acolhe.
P.S. Pode ler aqui excertos dum texto de Fernando Catarino sobre a azinheira grande.
Publicada por Paulo Araújo em 21.10.09 1 comentários
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20/10/2009
Rosa de neve
Serissa foetida (L.f.) Lam.
Serissa é género de uma só espécie, S. foetida (antes S. japonica Thunb.), de folhagem perene que exala um aroma acre quando esmagada - o que ninguém faz, logo não vem daí mal aos narizes do mundo. A tree of a thousand stars, na verdade um arbusto que pode atingir 1m de altura, é originária de bosques subtropicais da Índia, China e Japão. Os botões são cor-de-rosa, abrindo-se numa profusão de flores brancas com cálice em funil de cerca de 1cm.
Caprichosa, irrita-se, amarelecendo as folhas ou livrando-se de todas elas num ápice para grande pânico do jardineiro, se recebe rega a mais ou a menos, se se expôe ao frio, se apanha sol em excesso, se é transferida de lugar. Cuidados difíceis de conjugar a não ser que se tenha o desvelo e a paciência de um criador de bonsais. E de facto esta planta (sobretudo o cultivar de folhas variegadas e/ou flores dobradas) é uma das preferidas nessa forma anã-tosquiada, por exibir crescimento rápido, ramagem densa e floração abundante várias vezes ao ano.
A serissa é da família do café, da cinchona (a fonte de quinino), das gardénias e da coprosma, mas - aqui lhe deixamos a fórmula - foi pela semelhança com a Sherardia arvensis, herbácea baixinha frequente nos nossos baldios, que a identificámos.
Publicada por Maria Carvalho em 20.10.09 1 comentários
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«Agora só falta aqui é... cimento!»
Apeadeiro de Brunheda - Linha do Tua
Não é por certo essa a primeira ideia que ocorre a quem contempla uma paisagem destas. Mas há gente estranha, a julgar pelo breve diálogo transcrito no blogue A Baixa do Porto. Trata-se de um excerto do vídeo de apresentação de Pare, Escute, Olhe, documentário sobre a ameaçada linha do Tua exibido no doclisboa 2009.
Publicada por Maria Carvalho em 20.10.09 1 comentários
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19/10/2009
Púcaros com franja
Tellima grandiflora (Pursh) Dougl. ex Lindl. - Kew Gardens
Para começar, expliquemos o título: fringecups é o nome dado nos EUA a esta nativa dos bosques e florestas da costa oeste da América do Norte, obviamente sugerido pelo aspecto das flores, com o cálice em forma de púcaro bordejado pelas franjas das pétalas. Antes de irmos à batata quente taxonómica, aqui vão de corrida alguns dados sobre a Tellima grandiflora: é uma herbácea perene com 80cm de altura máxima e folhas em roseta basal coroada por longas hastes floridas; prefere lugares húmidos e está naturalizada na Grã-Bretanha e noutros países europeus.
Mas - e aquele grandiflora? O leitor, ainda fresco da sua lição de latim, esfrega os olhos e pergunta-se: será que estou a ver mal? Não, leitor, não está: aquelas flores, em flagrante desobediência ao epíteto específico, são mesmo diminutas; têm 8mm de comprimento. Ah, então quem baptizou a planta devia estar c'os copos. Calma, leitor, as coisas não se passavam de modo tão repentino, e um erro grosseiro como esse seria prontamente corrigido quando se dissipasse a embriaguês. O termo grandiflora não deve ser tomado como qualificativo absoluto: limita-se a comparar a planta com as restantes do mesmo género, que terão flores ainda mais pequenas. Esta explicação, porém, esbarra no óbice de não haver outras plantas no género Tellima. Mas eis a estocada final: esta planta já esteve incluída noutro género. Na primeira descrição que dela foi publicada (em 1813, no livro Flora Americae Septentrionalis - or, a Systematic Arrangement and Description of the Plants of North America, de Frederick Traugott Pursh), apareceu com o nome Mitella grandiflora. Dentro do género Mitella, também ele norte-americano, o nome grandiflora justificava-se pela existência de espécies com flores de 5mm ou menos. Quando John Lindley, em 1828, oficializou a transferência, já antes proposta por David Douglas, para o género mono-específico Tellima, as regras de conduta da taxonomia obrigaram-no a reter o epíteto grandiflora, por muito absurdo que o resultado lhe tenha parecido.
Em adenda, um pequeno segredo do ofício: a migração entre géneros é denunciada pela listagem de autores que se segue ao nome científico da planta (ver legenda das fotos). Os parênteses à volta de Pursh indicam que foi ele quem primeiro descreveu a planta, mas que o nome hoje em dia aceite se deve a Douglas e a Lindley.
Publicada por Paulo Araújo em 19.10.09 0 comentários
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18/10/2009
Palácio de Cristal no Programa Biosfera
No dia 14 de Outubro, o programa televisivo Biosfera (RTP 2) incluiu uma desenvolvida reportagem sobre o centro de congressos para 6000 pessoas que a Câmara do Porto, em parceria com a AEP e outras entidades, pretende instalar nos jardins do Palácio de Cristal. Além de contemplar a remodelação do Pavilhão Rosa Mota (objectivo que ninguém contesta), o projecto prevê a construção de vários edifícios anexos que vão invadir o lago (convertido em «espelho de água» e amputado para metade) e ocasionar o derrube de várias árvores adultas. Mais do que a perda das árvores (aliás em número muito maior do que aquele admitido pela Câmara e pelo arquitecto), os opositores ao projecto lamentam o abastardamento do mais emblemático jardim histórico da cidade do Porto.
Se não viu o programa, pode aproveitar para fazê-lo agora. Foram entrevistados Rui Rio (Presidente da Câmara do Porto), o arquitecto José Carlos Loureiro, dois membros do Movimento em Defesa dos Jardins do Palácio, e eu próprio.
Publicada por Paulo Araújo em 18.10.09 6 comentários
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17/10/2009
Black lily
Fritillaria camschatcensis (L.) Ker-Gawl.
.....Nestas ervas, não em outras, gostaria
.....de deixar cair os punhos, esquecer como se reza.
.....José Miguel Silva (Ulisses já não mora aqui, 2002)
Publicada por Maria Carvalho em 17.10.09 0 comentários
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16/10/2009
A alegria das pequenas flores
Impatiens parviflora DC. - Hampstead Heath, Londres
E que tal começar o dia (ou terminar, dependendo de os seus hábitos serem mais ou menos noctívagos) com uma aula de latim? Garanto-lhe que é coisa pouca, não só porque o saber do mestre é de curto alcance, mas também porque uma lição prolixa e densa de assuntos se esvai da memória à velocidade a que a água escorre pelo ralo. Uma única e reluzente pérola de erudição: eis o que mais hipóteses tem de conquistar lugar permanente no armazém mental do leitor.
Parviflora é termo latino composto por duas partes: o prefixo parvi (de parva, parvus ou parvum), que significa pequena; e flora, indicativo de flor. O epíteto parviflora informa-nos pois de que a planta em causa tem flores pequenas (o que é exacto: cerca de 13 mm); grandiflora, epíteto da magnólia-sempre-verde, tem precisamente o significado oposto.
Alegria é o nome que se dá em Portugal à Impatiens walleriana, herbácea com flores de cores diversas (brancas, rosas, vermelhas) muito usada para forrar canteiros. Um nome tão... enfim... alegre, tão capaz de inspirar títulos chamativos (como o de hoje), não é para ser usado com parcimónia, e por isso decidi atribuí-lo a todas as plantas do género Impatiens. Que são mais de 850, distribuídas pelo hemisfério norte e pelos trópicos. Em inglês, levam elas os nomes de jewelweed e touch-me-not; o segundo é mais sugestivo, e refere-se à mesma impaciência de que o nome científico as acusa: quando são tocadas, ou mesmo quando não são, as cápsulas dos frutos explodem, dispersando as sementes.
Uma única espécie do género, I. noli-tangere, é nativa da Europa, mas outras há que por cá se naturalizaram. A que o fez com maior sucesso, a ponto de ser considerada praga em vários países do norte da Europa, foi a I. glandulifera, dos Himalaias. A I. parviflora, que trago aqui hoje, é originária da Ásia Central (Rússia, Mongólia, Quirguistão, Cazaquistão e Xinjiang) e também estabeleceu residência na Europa, embora o tenha feito com moderação. É uma planta ruderal que aprecia lugares com sombra, como a orla do bosque em Hampstead Heath onde a fotografei.
Nota. Pode ver outras Impatiens clicando na etiqueta Balsaminaceae já aí em baixo.
Publicada por Paulo Araújo em 16.10.09 2 comentários
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15/10/2009
Fritilária portuguesa
Fritillaria lusitanica Wikstr.
As fritilárias têm sido motivo de discussão interessante entre taxonomistas que, enquanto tentam entender-se sobre o que é uma liliácea, se questionam se as espécies de Fritillaria europeias e asiáticas devem estar em género diferente do das americanas - e talvez em breve tenhamos de adoptar para estas a etiqueta Amblirion Raf.. Apesar das revisões recentes, que se baseiam em traços moleculares e não apenas na morfologia exterior, a família Liliaceae é ainda demasiado heterogénea. Porém, é possível destacar características comuns, algumas salutares como gostarem de um período de dormência (leia-se sesta prolongada enquanto o frio aperta) em que a herbácea vivaz descansa reduzida às componentes subterrâneas (bolbos, rizomas ou raízes tuberosas). Além disso, as flores são solitárias, ou dispostas em cachos pequenos, com 6 tépalas, 6 estames, 3 carpelos unidos e 1 estilete com um estigma eventualmente trífido.
Em Portugal há cerca de 80 espécies nativas de liliáceas (algumas terão já mudado de família) como a Fritillaria lusitanica Wikstr. e a Tulipa sylvestris L., mas a maioria é do género Allium, predominância a que não é alheio o tipo de solo seco e arenoso com que nos vamos desertificando. Várias delas são de distribuição restrita no nosso país e podem mesmo estar em perigo de extinção, nomeadamente a Bellevalia hackelii Freyn (do Algarve), o Asphodelus bento-rainhae P. Silva (da serra da Gardunha), o Lilium martagon L. (da Mata da Margaraça), o Hyacinthoides vicentina (Hoffmanns. & Link) Rothm. (do interior da região do Sado) e o Allium pruinatum Link ex Sprengel (do centro e sul).
A Fritillaria lusitanica, da Península Ibérica, habita matos e bosques, preferindo zonas altas com invernos secos e primaveras húmidas, solo rochoso e bem drenado, muito sol e a vizinhança de carvalhos. Nada caprichosa, portanto. As folhas são verde-claro, longas e lanceoladas, e a planta pode atingir os 50cm de altura. As flores, do início da Primavera (o fotógrafo resmungou bastante com o vento), que se inclinam como se cabeceassem de sono, nascem no topo de um talo delgado que os frutos empertigados ocupam mais tarde. Medem cerca de 3 cm de comprimento, contêm nectários brilhantes na base das tépalas, e exibem grande variedade de cores e enfeites em resposta aos distintos polinizadores (abelhas, moscardos, moscas ou pássaros); as tépalas são, em geral, castanhas/avermelhadas com franjas alternadas mais claras no exterior e de interior amarelo. Os bolbos distinguem-se de outras liliáceas por se cobrirem de bolbinhos menores, uns grãos-de-arroz importantes em medicina chinesa (o famoso bei mu).
Publicada por Maria Carvalho em 15.10.09 4 comentários
Etiquetas: Liliaceae , Serras de Aire e Candeeiros
14/10/2009
Aprendendo a ser pássaro
Castanheiros (Castanea sativa Mill.) vistos do Treetop Walkway - Kew Gardens
Uma das frustrações de quem vai à cata de castanhas, agora que é quase chegado o tempo delas, é a safra depender da boa vontade da árvore. Se ela não nos quiser presentear com os seus frutos, não há como demovê-la a deixá-los cair. Conformados com tais caprichos, voltamos uns dias depois - altura em que constatamos, com mal contida fúria, que alguém se nos antecipou, colhendo tudo aquilo que por direito de prioridade nos pertencia. É deplorável o ponto a que chegou a falta de civismo neste nosso desgraçado país.
Foi decerto para resolver este problema que, na esclarecida e cívica Inglaterra, se inaugurou em Maio de 2008, nos Kew Gardens, esta estrutura metálica com 18 metros de altura, que proporciona aos colectores de castanhas um circuito de 200 metros bem ao nível da copa das árvores. Árvores essas que são, quase todas elas, castanheiros carregadinhos com a promessa de deliciosos magustos. Basta o visitante esticar os braços - com as mãos de preferência protegidas por grossas luvas de cabedal - e ir enchendo com ouriços o balde que teve a previdência de trazer consigo.
Acontece que em Agosto, quando visitámos os Kew Gardens, ainda era cedo para a colheita. Voltarmos lá agora com esse único fito seria algo extravagante, mas fica a sugestão para quem puder aproveitá-la. Quanto a nós, estamos de olho nuns tantos castanheiros em várias localidades do norte do país; seria porém de uma generosidade inaudita, própria de uma santidade a que não aspiramos, revelar ao leitor o paradeiro dessas árvores.
Publicada por Paulo Araújo em 14.10.09 3 comentários
Etiquetas: Castanea , Kew Gardens
13/10/2009
Cravinhos siameses
Petrorhagia nanteuilii (Burnat) P. W. Ball et Heywood
Cassandra recebeu de Apolo (deus do Sol, irmão gémeo de Artemis, divindade associada à Lua) o poder da profecia, de quem nunca se engana. Legou o dom ao irmão gémeo, Helenus, que se tornou oráculo decisivo na guerra de Tróia. Por resistir à sedução de Apolo, Cassandra foi amaldiçoada e ninguém alguma vez deu crédito às suas previsões.
A mitologia grega tem inúmeros exemplos como este, de irmãos gémeos que têm à nascença destinos idênticos mas que um acidente, em geral dramático, acaba por diferenciar. Não é o caso destes cravinhos siameses dos terrenos incultos do vale do Tua, que têm a ventura de partilhar, como um ninho, um invólucro embainhado de brácteas com textura e cor de papel, como o que se vê na foto, que lhes assegura cerca de meio ano de união de facto e, ido o Verão, um fim simultâneo que não quebra este pacto harmonioso.
Petrorhagia é um género de cerca de 25 espécies da Europa, Ásia e norte de África. A P. nanteuilii é herbácea anual, atinge cerca de 60cm de altura e tem folhagem linear, como a relva. A floração decorre em Maio-Julho. As flores são semelhantes a cravos (Dianthus sps.): distinguem-se destes pelos dois estiletes longos que parecem arames de prata e pelas bandas claras no cálice venado de sépalas.
Petrorhagia deriva do grego petros, rocha, e rhagas, fissura, aludindo por certo ao habitat de rochas e areia, e em pleno sol, que as plantas deste género apreciam. Diz-se que nanteuilii é homenagem de Burnat ao Barão Edmond Jules Marie Roger de Nanteuil (1857-1951).
Publicada por Maria Carvalho em 13.10.09 1 comentários
Etiquetas: Caryophyllaceae , Vale do Tua
12/10/2009
Enleia-me nos teus cabelos
Cuscuta campestris Yunck.
Ao contrário de outras parasitas, que, apesar de causarem estranheza a olhares mais atentos, ainda se conseguem disfarçar de plantas convencionais, a Cuscuta tem uma aparência decididamente extra-terrestre. A sua vocação é protagonizar filmes catastrofistas em que alienígenas malignos invadem a Terra para saquear e destruir. Uma vez definido o alvo, a Cuscuta lança os seus tentáculos sobre as vítimas, enredando-se nelas como se quisesse estrangulá-las, ao mesmo tempo que as penetra com orgãos sugadores (chamados haustórios) para lhes chupar a seiva. Não produz clorofila, e por isso o seu sustento depende inteiramente da planta hospedeira; e, como cedo se livra das raízes, por elas de pouco lhe servirem, nem sequer vive agarrada à terra. Leva uma existência aérea, como peruca mal-amanhada que o bom senso e o bom gosto são impotentes para descartar.
Apesar de amaldiçoada pelos agricultores, a Cuscuta (género cosmopolita, com mais de 150 espécies, presente nos cinco continentes) já gozou de algum prestígio medicinal: a C. epythimum, uma das espécies europeias mais comuns, era usada, não se sabe com que eficácia, para combater maleitas da vesícula, baço e fígado, e em especial para tratar a icterícia. E em Portugal, há que reconhecê-lo, a Cuscuta não constitui problema: é uma planta pouco comum e, tendo um ciclo de vida anual, não chega a incomodar seriamente as suas hospedeiras. Por contraste, há espécies de climas quentes que, crescendo continuamente durante anos a fio, conseguem revestir as copas das árvores com amplas cabeleiras rosadas ou cor de palha.
É algo problemático distinguir entre si as três ou quatro espécies de Cuscuta espontâneas em Portugal. A planta da foto não é certamente a C. epythimum, que tem galhos avermelhados e flores cor-de-rosa. Por exclusão de partes, e atendendo às melenas alaranjadas e às flores brancas com um toque esverdeado, julgamos tratar-se da C. campestris. Encontrámo-la nas cercanias da Pateira de Fermentelos, parasitando duas espécies de asteráceas: Bidens tripartita e Xanthium strumarium.
Publicada por Paulo Araújo em 12.10.09 4 comentários
Etiquetas: Asteraceae , Convolvulaceae , Parasitas ou hemiparasitas
10/10/2009
A inteligência das flores
Cypripedium parviflorum var. pubescens (Willd.) Knight (Pantufas de senhora)
The position of Maeterlinck* in modern life is a thing too obvious to be easily determined in words. It is, perhaps, best expressed by saying that it is the great glorification of the inside of things at the expense of the outside. There is one great evil in modern life for which nobody has found even approximately a tolerable description: I can only invent a word and call it "remotism". It is the tendency to think first of things which, as a matter of fact, lie far away from the actual centre of human experience. Thus people say, "All our knowledge of life begins with the amoeba". It is false; our knowledge of life begins with ourselves. Thus they say that the British Empire is glorious, and at the very word Empire they think at once of Australia and New Zealand, and Canada, and Polar bears, and parrots and kangaroos, and it never occurs to any one of them to think of the Surrey Hills.
The one real struggle in modern life is the struggle between the man like Maeterlinck, who sees the inside as the truth, and the man like Zola, who sees the outside as the truth. A hundred cases might be given. We may take, for the sake of argument, the case of what is called falling in love. The sincere realist, the man who believes in a certain finality in physical science, says, "(...) what it is, is an animal and sexual instinct designed for certain natural purposes". The man on the other side, the idealist, replies, with quite equal confidence, that this is the very reverse of the truth. I put it as it has always struck me; he replies, "Not at all.(...) What it is, beyond all doubt of any kind, is a divine and sacred and incredible vision". The fact that it is an animal necessity only comes to the naturalistic philosopher after looking abroad, studying its origins and results, constructing an explanation of its existence, more or less natural and conclusive. The fact that it is a spiritual triumph comes to the first errand boy who happens to feel it.
Maeterlinck's appearance in Europe means primarily this subjective intensity; by this the materialism is not overthrown: materialism is undermined. He brings, not something which is more poetic than realism, not something which is more spiritual than realism, not something which is more right than realism, but something which is more real than realism. He discovers the one indestructible thing. This material world on which such vast systems have been superimposed - this may mean anything. It may be a dream, it may be a joke, it may be a trap or temptation, it may be a charade, it may be the beatific vision: the only thing of which we are certain is this human soul.
This human soul finds itself alone in a terrible world, afraid of the grass. It has brought forth poetry and religion in order to explain matters; it will bring them forth again. It matters not one atom how often the lulls of materialism and scepticism occur; they are always broken by the reappearance of a fanatic. They have come in our time: they have been broken by Maeterlinck.
G. K. Chesterton, Varied types (1903)
* Maurice Maeterlinck (1862-1949), Prémio Nobel da Literatura em 1911, autor do ensaio L’Intelligence des fleurs (1907) e, entre muitos outros títulos, de Serres chaudes (1889, poemas musicados por Ernest Chausson), Pelléas et Mélisande (1892, peça adaptada a ópera com a música de Claude Debussy) e Ariane et Barbe-Bleue (1901, libreto da ópera com o mesmo nome e música de Paul Dukas).Publicada por Maria Carvalho em 10.10.09 0 comentários
Etiquetas: G. K. Chesterton , Kew Gardens , Orchidaceae
09/10/2009
A prima boazinha
Pontederia cordata L.
É o que consta das cartas de recomendação reproduzidas nos manuais de botânica: embora sem esconder o parentesco com o jacinto-de-água, reflectido tanto no aspecto geral da planta como na preferência por habitats aquáticos, a Pontederia cordata tem uma índole completamente diferente, muito mais benigna e recatada. Mais alta e empertigada (1 metro contra 50 cm), com flores mais miúdas e dispostas em espiga, é também nada e criada no novo mundo, numa faixa que vai do sul dos EUA à América tropical. O que mais diferencia estes dois primos é que a Pontederia, receosa de ser deixada à deriva, prefere agarrar-se ao chão pelas raízes, enquanto que o jacinto-de-água flutua sem medo para onde o vento ou a corrente o empurrarem.
Não se conhece em Portugal qualquer nome vernáculo para a planta, e aliás ela pouco se vê por cá (as fotos são de um tanque no Parque da Cidade do Porto). Mas os brasileiros, sempre mais criativos do que nós no uso da língua comum, atribuiram-lhe pelo menos quatro designações: aguapé, rainha-dos-lagos, mururé e orelha-de-veado. Dessas, as três primeiras aplicam-se também ao jacinto-de-água - o qual, com uma avidez nomenclatural que lembra fidalgo da mais antiga estirpe, ainda se apropriou de mais seis nomes: camalote, mureré, baronesa, pareci, murumuru e pavoa.
Publicada por Paulo Araújo em 9.10.09 0 comentários
Etiquetas: Pontederiaceae
08/10/2009
Trovisco
Daphne gnidium L.
Embora Apolo sempre tenha rejeitado os grilhões do casamento, não lhe faltaram descendentes de ninfas ou belas mortais de almas conformadas à obrigação de servir o sagrado. Seduziu deusas e musas, às vezes disfarçado de cria peludinha, a saltitar entre o tomilho, que elas levavam ao peito entre carinhos, para logo se revelar um jovem tumultuoso de falinhas ardentes. Contudo, apesar de divino, nem sempre foi bem sucedido. Quando se atreveu a perseguir a ninfa-das-montanhas, Daphne, uma sacerdotisa filha do rio Peneius em Tessália, o conselho dos deuses no Olimpo não apoiou a ousadia e metamorfoseou-a num loureiro para abreviar a fuga - e daphne é a designação grega para loureiro.
Porém, mesmo um olhar desatento nota que o arbusto da foto pouco se parece com um loureiro. Por isso, J. P.de Tournefort (1656-1708) recomendou para o trovisco - mas Lineu não aceitou - outro género, Thymelaea. Este e o género Daphne (com cerca de 50 espécies da Ásia, Europa e norte de África) partilham traços e aflições, como a de abrigar várias espécies em vias de extinção: a Thymelaea broteriana, endemismo do noroeste da Península Ibérica, serras do Gerês, de Alpedrinha e da Arrábida, está a precisar urgentemente de protecção; e a Daphne rodriguezii, que se restringe às ilhas Baleares, dá-se quase como desaparecida.
O trovisco tomou emprestado o apelido da cidade de Cnido (costa da Ásia Menor, hoje Turquia), de onde provém, sendo também abundante na região mediterrânica costeira, nas Canárias e no norte de África. É um arbusto sempre verde que pode atingir o metro e meio de altura, de folhagem clara com glândulas aromáticas nas faces inferiores, flores de Verão-Outono muito perfumadas, tubulares, hermafroditas, de haste pilosa, com 4-7mm de diâmetro e 4 sépalas (não têm pétalas). O fruto é uma drupa vermelhinha brilhante e tóxica, com uma só semente.
As plantas do género Daphne têm fama, consignada por Dioscórides, de antisépticas, cicatrizantes e insecticidas; mas o seu emprego nessa qualidade tem de ser comedido pois podem provocar queimaduras ou intoxicações graves. Certo é os frutos são apreciados por aves - bons portanto para atrair e caçar galináceos, num ardil cujos pormenores os leitores que estadiam no campo podem suprir; que o uso de pauzinhos de trovisco para acelerar a cicatrização dos furos nas orelhas é eficiente - mas pouco frequente porque nós preferimos a dor ao ridículo; que a D. papyraceae e a D. bholua, dos Himalaias, fornecem fibras para o fabrico de papel; e que a D. genkwa, do norte da China e com flores azuis, é usada em medicina chinesa como agente abortivo.
Publicada por Maria Carvalho em 8.10.09 4 comentários
Etiquetas: Serras de Aire e Candeeiros , Thymelaeaceae