Lágrimas-de-anjo
Narcissus triandrus
....How bare is this place,
....the end of my course.
....Given up the fight.
....There's left no trace
....of me but the source,
....which they did not cite.
Karl Kraus, Tomb inscription (trad. Max Knight)
Esta espécie da secção Ganimedes do género Narcissus, com três estames (triandrus) em vez dos usuais seis, aprecia clima ameno da serra e tolera o frio, mas não as inundações - como talvez entendam os poderosos nos corredores da capital. Hibrida facilmente e há muitas variedades suas parentes com nomes de fantasia; é até frequente ler-se, com a ponta de orgulho com que disfarçamos a indiferença, que o «narciso tal-e-tal teve origem em espécie portuguesa».
E o que ameaça tão inocente planta cujas flores se inclinam em vénia para melhor notarmos a coroa saliente e pálida e as tépalas repuxadas para trás?, pergunta um leitor. Uma barragem no rio Tua, que fará dele uma funda sepultura de água para a natureza e as suas criaturas. Desaparecerão cascatas e repuxos afogados pela maré eternamente alta. E com eles fugirão abelhas, peixes, rãs, melros, andorinhas, garças, águias, amendoeiras, sobreiros, zimbros, freixos, choupos e oliveiras. E, senhores!, reduziremos a um fundo lodoso as melhores vinhas do Douro, que agora sorriem em terra sã, bem exposta ao sol e ao ar fresco do rio.
Mas, dirá outro leitor, este será o cenário ideal para cavalgar em ruidosas motas-de-água com que tão bem se arrumam as tardes de descanso que já vão sobrando. E, claro, dirá um amigo deste leitor, igualmente entusiasta da natureza, que o progresso trará mais energia para se verem em detalhe as fotos de arquivo destas florinhas e bichos, sem o incómodo de calcorrear à chuva os caminhos do vale do Tua.
No fim destes enganos, diremos, como dos ausentes, que as lágrimas-de-anjo foram singelas e valiosas. Alguns demónios chorarão a sua perda irreparável. E depois, quem nos poderá aliviar a culpa?