30/09/2006

BI em 6 alíneas - para o bem e para o mal


Tília de Nuzedo revisitada - Maio de 2006

Gostamos:

1) Da figueira do Campo Alegre que obriga quem passa a vergar-se como crente diante do altar. Não porque no emaranhado da copa se oculte Nossa Senhora, nem por obediência a um impulso pagão de adoração da Natureza: é que quem não se acautela esbarra com a cabeça em cheio nos ramos. Eis pois a figueira-soldado, de braços armados estendidos sobre o passeio, reconquistando o espaço que a cidade roubou à árvore: gostamos dela mesmo que os seus figos não se aproveitem, e mesmo quando perde uma batalha (foi podada há poucos dias).

2) Da árvore que nos empina o pescoço para vermos até onde ela vai.

3) Da árvore vaidosa (como a tília ou a araucária) que vive afastada das irmãs e, contra um fundo luminoso de verdes e azuis, se põe a jeito para a foto promocional.

4) De bosques e alamedas onde árvores de outra índole, assustadiças como pássaros, fogem do fotógrafo escondendo-se umas atrás das outras.

5) Das camélias. De todas as flores. De canteiros & canteirinhos. Do que não é sizento.

6) Do poeta que, do fundo da inesgotável arca, regurgita para nossa edificação esta inédita Autopsiblografia:

Aquele ali é blogueiro:
Bloga tão completamente
Que publica quanto sente
Sem nunca pensar primeiro.


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A quem passar a corrente? A alguém que já colaborou connosco e é a perfeita antítese do blogueiro retratado na quadra. E, como a bola nos veio de Coimbra, nada melhor do que devolvê-la à procedência.

29/09/2006

Flores de papel



As inflorescências das herbáceas do género Celosia, da família Amaranthaceae, são o ideal dos aficcionados das flores secas, as que duram nas jarras por longos anos sem serem falsas, de plástico ou pano. As flores não têm pétalas e as brácteas aveludadas têm textura de papel engelhado. Podem apreciar-se agora - até que o frio as obrigue a recolherem-se a estufas de ambiente tropical - nos canteiros de algumas ruas do Porto, alternando com begónias, zínias, tagetes ou escovinhas (Ageratum houstonianum). Como são híbridos cujo genoma tem mais cromossomas do que o usual, exibem grande diversidade morfológica; para poupar confusões, os horticultores agrupam-nas em quatro classes identificáveis pelo formato das inflorescências:
- Spicata: são espiras cónicas, e as flores abrem da base para o topo;
- Cristata: são achatadas e retorcidas como cristas-de-galo;
- Plumosa: parecem plumas erectas de cor berrante;
- Childsii: redondas como cabeças.
O termo Celosia deriva do grego kéleos, queimado, seco; Amaranthacea tem origem em amárantos, o que não murcha.


[A 3.ª foto foi cedida pelo desNorte e tirada no Jardim Botânico de Munique.]

28/09/2006

Vrksasana

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Vrksasana (entre dois choupos)

A ler

.«.... . dans un Jardin habité (no Lugar do Olhar Feliz):
«(...) Quand Ulysse veut émouvoir Nausicaa, il l'aborde ainsi (Odyssée 06 160) "Je suis en admiration à ton apparition: jamais je n'ai vu quelqu'un qui te ressemble. Un jour à côté de l'autel d'Apollon de Délos, j'ai vu une jeune pousse de palmier (...) qui se dressait avec une telle beauté". Leconte de Lisle (1867) traduit ainsi la suite «Et, en voyant ce palmier, je restai longtemps stupéfait dans l'âme qu'un arbre aussi beau fût sorti de terre. Ainsi, je t'admire, O femme, et je suis ébahi, et je tremble de saisir tes genoux...»
cont. in Palmiers (1) Pourquoi planter des palmiers ?
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27/09/2006

Palmeira-elegante


Archontophoenix cunninghamii

Portugal não é (nem poderia ser) um país de palmeiras, se excluirmos as omnipresentes palmeiras-das-Canárias e os coloridos cartazes vendendo pacotes de ida-e-volta aos paraísos tropicais. Mas quem não quiser aderir ao turismo exótico de massas pode ainda assim, com a nossa insistente ajuda, aprender a gostar de palmeiras. A primeira lição é que não são todas iguais: algumas (como esta) têm folhas em leque, outras (como a que mostramos hoje) têm folhas pinadas; há palmeiras atarracadas, outras esguias; umas são anãs, outras agitam a coroa a dezenas de metros do solo.

Palmeira-elegante é, muito apropriadamente, o nome vulgar da planta na foto. Originária da costa leste australiana, pode chegar aos 20 metros. Foi fotografada há um ano no Jardim Duque da Terceira, em Angra do Heroísmo, e por esta altura deve já ter renovado o seu saiote florido. A parte terminal do espique, acima do saiote, chama-se palmito: é de consistência tenra e existe em todas as palmeiras, embora em geral não tão desenvolvido como nesta espécie. No Brasil, além de ser usada como ornamental, a palmeira-elegante é também cultivada para a produção de palmito, iguaria muito apreciada por lá.

26/09/2006

Surge o poeta da flor

«Disse-me que se autotitulara Poeta da Flor, e como tal queria ser tratado. Porque sua especialidade era flor.
- Tem preferências?
- Qualquer flor. Todas. Apenas dedico menos atenção à rosa, que se tornou inflacionária em poesia (ah, Rilke e Gertrude Stein!) e ao lírio, com i ou com y, de que os simbolistas abusaram. Da margarida não falo. Vou deixar passar essa onda de tecidos, xícaras, caras e pernas estampadas, e de gripe, para ver se posso fazer alguma coisa em favor da margarida. Esse pessoal é engraçado. De repente, pega uma flor e pensa que é feijão, de consumo obrigatório. Amanhã são capazes de descobrir a georgina.




- Georgina?
- É a nossa velha dália, que tem esse nome na Europa Central. Enquanto não a tornam hippie, fiz este poeminha:

Dá-lhe dália Dalida
délia seiva de Scève
salve!


Gostou? Se não gostou, não faz mal. Eu gostei, eu que fiz. Repare quanta coisa pus em oito palavrinhas, a maior das quais com seis letras: uma cantora moderna, um poeta antigo com seu poema famoso, um grito hípico, uma saudação à flor, que, sendo variabilis na classificação científica, autoriza variações aliteradas. Certamente não notou, mas escorre seiva pelo talo do poema, com eles e esses.
- Estou notando.
- Dei um exemplo. Sabe o que é lidar com milhares, milhões de espécies florais, na maioria inteiramente inexploradas, pedindo verso, pedindo expressão? (...) Quero fazer um poema para cada uma das flores existentes (...).
- Mas ... não receia ser acusado de alienação?
- Quem: eu, alienado? Duvido que os poetas engajados do homem-na-história, do contra-o-napalm, etc., digam mais do que eu na minha cantada floral. (...) Cantando flor a gente diz tudo, e eles (o senhor sabe quem são) não podem fazer nada com a gente!»


Carlos Drummond de Andrade, Caminhos de João Brandão (1970)

25/09/2006

Nos jornais- "Árvores da capital vão ter BI"

No JN-Uma boa iniciativa que deveria ser norma.

«Quem passa pelo jardim lisboeta do Príncipe Real não fica indiferente a um monumental cedro do Buçaco, que faz a maior sombra natural da cidade. É uma das 87 árvores classificadas da capital que em breve terão "bilhete de identidade" (BI).
Dos milhares de árvores da cidade, 87 estão protegidas por lei por se distinguirem pela sua beleza, raridade ou importância histórica, segundo dados da Direcção-Geral de Recursos Florestais (
DGRF), a quem cabe atribuir a classificação de Interesse Público. Para dar a conhecer estes exemplares, a Câmara de Lisboa vai criar uma espécie de BI para cada árvore classificada, segundo o vereador do Ambiente, António Prôa.
"Será uma identificação informal sobre a espécie da árvore, o nome vulgar, localização e dimensão, entre outros aspectos, que permitirá aos munícipes saber um pouco mais sobre cada exemplar", disse fonte do gabinete do vereador.
Em Portugal estão classificadas de Interesse Público pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais 346 árvores isoladas e 62 arvoredos.
A classificação pode ser proposta por particulares ou autarquias à DGRF, a única entidade que pode classificar ou desclassificar as árvores.»

Para quando a mesma iniciativa para as árvores isoladas e conjuntos arbóreos classificados do Porto? Nenhuma delas se encontra devidamente identificada no local, e roteiro com a sua sinalização apenas conhecemos o Mapa Verde, editado este ano pela Campo Aberto, que refere as árvores património /"heritage trees" da cidade.

Por que não há mais autarquias a propôr a classificação de árvores monumentais e históricas? Será que não sabem que o podem fazer? Precisam de sugestões? Não faltariam decerto.
Aqui fica, por exemplo, o apelo de Pedro Santos do blog Sombra Verde, para a preservação e classificação de três plátanos monumentais na Covilhã.

Ver: Classificação de Árvores como sendo de Interesse Público (in http://www.portaldocidadao.pt/PORTAL/pt)

23/09/2006

Palmeira azul de crina dourada


Brahea armata

Esta pequena palmeira de crina dourada adorna o único local do Buçaco que a maioria dos excursionistas de fim-de-semana costuma visitar: o jardim do Palace Hotel. A Brahea armata é uma espécie mexicana das zonas costeiras que pode atingir até 12 metros de altura e costuma florir no Verão. Palmeira-azul é a designação vernácula que para ela é proposta no livro Portugal Botânico de A a Z; nos EUA é conhecida como blue hesper-palm. As fotos foram tiradas há já duas semanas, mas é possível que o amarelo da floração não tenha ainda desbotado. No Jardim Botânico de Coimbra existem, vizinhas uma da outra, duas palmeiras-azuis em diferentes fases de crescimento; mas só quem vier munido de binóculos poderá observá-las com algum detalhe.

22/09/2006

Em risco de extinção



«Baseando-se em modelos matemáticos, dois cientistas da Universidade de Reading, no Reino Unido, descobriram que a ciclame está em risco de extinção devido às alterações climáticas. O clima ideal para esta flor de jardim poderá desaparecer totalmente em 2050, o que conduzirá ao extermínio de muitas das suas variedades.»

Visão, 21/IX/2006

21/09/2006

Vozes de Outono


Pintura: Ode to the Sound of Autumn -Kim Hong-do (1745 - 1806?) © Ho-Am Art Museum

«Eu, Ao-Iéong-Tze, estava de noite lendo, quando se ouviu aquele rumor, das bandas do Sudoeste. Ao ouvi-lo reflecti, em um sobressalto:
-É singular! A princípio há o tamborilar da chuva, -que depois se transforma na zoada do vento, para logo, em um vertiginoso crescendo, dar lugar a estes estampidos, como de grandes vagas apavorando a noite. O vento e a chuva, precipitando-se em turbilhões, encarniçam-se contra o que se lhes defronta; é uma conflagração retumbante de todos os metais ressoando. Tais os guerreiros, avançando para o combate, ferram os dentes na mordaça e aceleram a carreira, não se lhes ouvindo gritos de incitamento ou de medo, mas só o estrupido dos peões e dos cavalos em marcha...
Pergunto ao meu moço discípulo.
- Aqueles sons o que são? Vai fora e informa-te.

Responde-me, voltando:
- No céu brilham puras as estrelas e a Lua; a Via Láctea esplende. Para todos os lados não há voz humana. São vozes do arvoredo...
E eu então:
- Ai, ai! Oh dor! Todas estas vozes outonais de onde será que procedem? »

Camilo Pessanha -tradução do poema em prosa de Ouyang Xiu (1007-1072) publicada pela 1ª vez em Janeiro de 1918 na revista Atlântida (Lisboa)
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20/09/2006

O campo na cidade



A ruralidade aparente desta cena é desmentida pelo exotismo das belas-donas que acompanham o muro e pela gigantesca Araucaria bidwillii que remata a perspectiva. O cão não guarda qualquer rebanho, e o que se cultiva nestes terrenos, e se esconde na estufa entrevista à esquerda, não são produtos hortícolas mas sim plantas ornamentais. Estamos em Villar d'Allen, a quinta histórica mais notável e bem preservada do Porto e arredores, onde também funciona um importante viveiro comercial. A visitar sempre, sobretudo na época da floração das camélias, agora inaugurada com as sasanquas em flor.

19/09/2006

Pingos-de-ouro

Enquanto o espectáculo das camélias faz os últimos ensaios para a temporada de 2006-07, com as sasanquas já a florir, há na Quinta de Villar d'Allen outros atractivos em cartaz: dálias, gardénias, lírios-de-palmeira (Yucca gloriosa), sálvias, santantoninhos (Cuphea ignea), belas-donas (Amaryllis belladona), flores-caracol (Vigna caracalla), malmequeres e margaridas várias e centenas de outras florinhas no viveiro. Mas quem está agora a estrelar é a flor-do-céu, dádiva de elegantes e recatadas violeteiras (Duranta erecta).



Esta Verbenaceae tem origem na América, do México ao Brasil, tolera geadas e é indicada para zonas costeiras embora exija solo fértil. Exibe dois tipos de frutos - mistério a resolver -, uns redondos e dourados com um bico no ápice (resíduo do cálice da flor) e outros verdes e engelhados; com a polpa prepara-se uma infusão anti-mosquito. Na Primavera e Verão, os frutos convivem com as flores de corola roxa com um olho branco central, agrupadas em cachos. Um famoso cultivar japonês, conhecido como Gueixa, tem pétalas de cor púrpura debruadas a lilás. A folhagem, caprichosa e descabelada, pode formar uma pequena árvore ou um renque impenetrável. Em Villar d'Allen a ramagem é pendente, como diva que faz vénia ao sair de cena.

18/09/2006

Sem regresso

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Algures entre a Guia e Vale de Parra (Agosto 2005)
A esta escolinha primária, já há uns anos que nenhuma criança regressa às aulas...
Mas ainda vai havendo quem cuide do campo circundante para poder apanhar amêndoa, colher uva. Gente envelhecida e crestada como as vinhas que o sol queimou.
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16/09/2006

Tagetes patula



O nome científico desta herbácea mexicana da família Compositae, de caule curto e folhagem recortada e muito espalhada (patula), é uma homenagem à divindade etrusca Tages, deus da sabedoria que doou ao povo da Etrúria (actual Toscana) o poder de bem cultivar a terra.

Mas no México, onde a cor da morte é o amarelo e não o preto, ela é a flor-do-morto, participante involuntária dos rituais de sacrifício ao deus Sol durante o império asteca. Um preparado sedativo de tagetes, perfumado e levemente alucinogéneo, tornava dóceis as vítimas, enquanto pétalas eram queimadas criando nos templos um nevoeiro inebriante, adocicado como anis. Ali a deusa das flores e do riso era decorada com cascatas de tagetes mas também com cascavéis, símbolo da omnipresença da morte. Com o tempo, esta herança mórbida transformou-se num dever: a tagetes, que no México floresce em Novembro, é guardiã dos altares dedicados aos defuntos e, no primeiro dia deste mês, guia as almas com a sua cor dourada e o aroma intenso.

Entre nós, a tagetes é usada como ornamento em bordaduras de terra bem drenada, como pesticida e repelente natural de pulgões, ácaros e algumas lagartas, e o seu chá é anti-espasmódico, anti-reumático e antitússico. E é um poderoso corante: como suplemento alimentar de aves faz as gemas de ovo nascerem mais amarelinhas.

15/09/2006

A ler

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«E foi aí que entendi que um dia, quando o meu dia chegar, eu não quero reencarnar (.... )
lá no fundo eu sei, que será numa palmeira que
rearvorearei, no topo da encosta sobre uma baía redonda, onde o reflexo das estufas em vidro me alimentará o tronco e a aragem salgada do mar me temperará as folhas e os frutos. » JRP

Não, não é propriamente um "new kid on the blog", já por aqui andava quando chegámos; desilusão e imensas saudades deixou ao partir! Voltou agora de comboio, azul ... Que boa surpresa!
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Bela e inocente


Amaryllis belladonna

Quando em meados de Agosto se soube que um jovem madeirense tinha morrido envenenado por uma infusão de beladona, cheguei a pensar que a culpada fosse a planta da foto, vulgarmente conhecida por esse nome. Mas a criminosa terá sido afinal a Atropa belladonna, planta da família das solanáceas - ou então, como aqui foi dito, outra planta da mesma família. É esse o inconveniente dos nomes comuns: marias há muitas.

A inocente beladona (Amaryllis belladonna) que hoje aqui trago é uma herbácea bolbosa, da família das amarilidáceas, originária da África do Sul, que anualmente, pelo Verão, faz despontar as suas hastes floridas (com 30 a 50 cm de altura). É frequente então encontrá-la em jardins ou, semi-espontânea, em matas e terrenos incultos. À entrada do Outono a planta desaparece, ocultando-se no aconchego da terra.

Nas visitas que fiz à ilha Terceira, sempre no início de Outubro, avistei-a por todo o lado, salpicando de rosa jardins, campos e bermas de estrada. E em Serralves, antes das obras no Parque, todos os anos ela surgia à sombra dos castanheiros.

14/09/2006

Provérbio

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«Setembro é o Maio do Outono.»

Mais em Os provérbios populares
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13/09/2006

Aceno amarelo



Num recanto pedregoso do Parque da Lavandeira, em Vila Nova de Gaia, vimos há dias este arbusto de folhagem muito ramificada e floração exuberante. Pareceu-nos uma Leguminosae pela folha composta pinada, com 4-5 pares de folíolos de cor verde-azulado; a falta de folíolo terminal nas folhas permitiu identificá-la. Trata-se de um exemplar do género Senna, talvez da espécie S. corymbosa pela ponta aguçada dos folíolos. Cada flor é um arranjo de cinco pétalas em taça, com estames curvados e aroma a maracujá.

O género Senna abriga cerca de 300 espécies tropicais ou subtropicais, da Ásia, América e África, usadas frequentemente para restaurar solos degradados e com interesse farmacêutico. O nome Senna é decalcado do árabe sinã, «planta do Levante cujas folhas são purgativas».

12/09/2006

Mensagem

Vinde à terra do vinho, deuses novos!
Vinde, porque é de mosto
O sorriso dos deuses e dos povos
Quando a verdade lhes deslumbra o rosto.

Miguel Torga

11/09/2006

Boa vindima!

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fotos: © manueladlramos- Azulejos na estação do Pinhão
A ler: Qual é o preço de uma bela paisagem? (por Bernardino Guimarães)
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10/09/2006

Caída do céu



Se, em vez da maçã, tivesse caído esta pinha na cabeça de Newton, teria ele formulado a teoria da gravitação universal? Apesar de este grande ananás (62 cm de perímetro, 22 cm de comprimento, 5 kg de peso) ser um projéctil bem mais memorável do que a maçã, é provável que a sua queda não estimulasse as lucubrações do privilegiado cérebro do cientista.

A foto é fantasiosa: as sementes, uma em cada escama, podem comer-se, mas não é prático fazê-lo com faca e garfo. Aliás, talvez seja aconselhável deixá-las secar primeiro, mas não irei comprovar isso, pois enterrei quatro delas num vaso e devolvi o resto da pinha ao local onde a encontrei. Lá ficou como aviso a quem se quisesse encostar à árvore que a largou: a Araucaria bidwillii do Jardim do Carregal. Dias depois, os jardineiros da Câmara cercaram a árvore com uma fita verde e branca, que não fica bonita mas remedeia: as pinhas, de tão pesadas, caem sempre a prumo, bem junto ao tronco. Solução definitiva seria rodeá-la com um maciço de arbustos que impedisse a aproximação das pessoas.

09/09/2006

A névoa que vem do mar


Tamarix sp. na avenida Brasil

É assim que a cidade fica bem: vestida de névoa, a velhíssima névoa do Porto, agora que Agosto se foi embora. O tamariz decrépito, de copa rala castigada pela maresia, é quem primeiro a vê chegar.

08/09/2006

«É bom saber a verdade, mas é melhor falar de palmeiras.»

Provérbio árabe

07/09/2006

As famosas palmeiras

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«Aléa Barbosa Rodrigues
Esta aléa, considerada como principal e ornamentada pelas Palmeiras Real ou Imperial, foi assim designada em homenagem ao naturalista João Barbosa Rodrigues, respeitável director do do Jardim Botânico no período de 1890 a 1909. Suas palmeiras foram plantadas em 1842 durante a administração de Serpa Brandão, enquanto as mais baixas, em 1951, em comemoração ao Dia da Árvore, na gestão de Paulo Campos Porto, sendo todos os seus exemplares originários da
Palma Mater. (...)» in Conhecendo nosso Jardim: Roteiro Básico-IPJBRJ, 1997, p. 37

É um sonho que tenho: conhecer esta alameda de palmeiras (Roystonea oleracea), chamadas real ou imperial por "sua mãe" (a Palma Mater) ter sido plantada por D. João VI de Portugal. Enquanto isso não acontece, entretenho-me com página da floração do mês da Associação dos Amigos do Jardim Botânico do Rio de Janeiro...

06/09/2006

Jardim Botânico do Rio de Janeiro

«Desde 1808, quando o nosso príncipe-regente D. João fundou o nosso Jardim Botânico, o Rio é forte em botânicos, naturalistas e geólogos. Naqueles idos, o império português tinha filiais por toda parte, o que fez com que o Jardim Botânico fosse agraciado com as mudas exóticas que o príncipe mandava trazer da África, da Índia e da China - de insaciáveis plantas carnívoras, capazes de abocanhar uma nuvem de gafanhotos, às especiarias e folhas de chá mais delicadas. Era tanto exotismo, na verdade, que a escritora inglesa Maria Graham, em visita ao jardim em 1823, queixou-se de não ver ali nenhuma planta brasileira. Mas, como sempre acontece no Brasil, em pouco tempo tudo aquilo se tornaria brasileiro, tanto quanto os tinhorões, jacarandás, comigo-ninguém-pode e outros milhares de espécimes locais que foram colhidos nas redondezas e incorporados à coleção. Os cariocas aprenderam e processaram aquela riqueza em menos tempo do que você levaria para pronunciar ecobiodiversidade - inclusive os escravos, que foram os primeiros botânicos e naturalistas negros de que se tem notícia. O Rio passou a atrair cientistas de toda parte - sumidades como William Swainson, Carl Philipp von Martius, Johann Baptist von Spix, Auguste de Sainte-Hilaire e o barão de Langsdorff - e, de seu intercâmbio com os nativos, resultaram estudos na área da farmacopéia que devem ter feito a fortuna de vários laboratórios europeus. Desde então, o próprio Jardim Botânico tornou-se um laboratório vivo.

Pode-se passar uma eternidade ali sem esgotar suas possibilidades: 8 mil espécies vegetais, quase duzentas espécies de pássaros e um farto sortimento de borboletas, cigarras, grilos, besouros, aranhas, sapos, lagartos e outros bichos cascudos, cabeludos e úmidos. Tudo fichado e catalogado - nem uma libélula escapa à observação de seus institutos de pesquisa. É uma festa da Natureza e da investigação científica. (...) O incrível é que o Jardim Botânico não fica em nenhuma serra bucólica e longínqua, a quilómetros dos limites urbanos. Seus 180 hectares estão plantados bem no coração do Rio, a dez minutos de Copacabana, oxigenando pulmões e avenidas.»

Ruy Castro, Rio de Janeiro Carnaval no fogo (2006)

05/09/2006

Esteira
artesanato da tua empreita
percurso de ternura em fita estreita
uma por uma

artifício da tua urgência
onde a planta do pé primeiro assenta
e o joelho leva a breve imprensa
geométrica da renda

seca prisioneira
rescendes ao campo e aos poentes
às palmas e aos dentes
de quem assim te conformou e fez

extensa densa espessa
memória da trança de mulher
hábil na conversa de tecer
aspereza em paz da sesta

Teresa Balté
As Visões, Horizontes Portáteis, Inova Porto, 1977

Palma

Chamaerops humilis .... clicar nas imagens para aumentar
«Em todo o reino se faz uso das obras de palma, que no Algarve se fabricão; e muitas ainda são procuradas pelos estrangeiros. Este artigo deve todo o seu valor ao feitio: a matéria prima he dom da natureza; nasce e cresce nos terrenos não cultivados e pedregosos, nas charnecas e nos serros; não pertence a pessoa alguma; he de quem a quer a panhar. Todo o trabalho he feito por mulheres: ellas a vão colher no mais intenso calor do verão; ellas a lanção ao sol, e sem mais preparo fazem as vassouras; ellas a preparão lavando, e dando-lhe fumo de enxofre para fazerem as outras obras, como condeças, esteiras, capachos redondos, golpelhas, alcofas, e a considerável quantidade de seriras, em que se mette o figo e passa de uva que se exporta: ellas ainda tingem alguma de preto e encarnado, com que bordão e matizão aquellas obras, ás quaes dão bonitos lavores: com a empreita fazem chapéos de que algumas senhoras usão; e se mais espirito nacional tivessemos, talvez poderiamos dispensar os de palha, que os estrangeiros nos vêm trazer por bom preço, e prefeririamos os de palma por serem obra de casa.»

in LOPES, João Baptista da Silva, Corografia ou memória económica, estatística e topográfica do reino do Algarve, Academia Real das Ciências de Lisboa, 1841 (edição facsimilada da Algarve em Foco Editora, 1988), p. 151
. Link externo: Chamaerops humilis (artigo em italiano da Wikipedia)

04/09/2006

Flores-de-chumbo


Plumbago auriculata

Em muitas casas da cidade, fechadas enquanto os donos estão ausentes em férias, alguns arbustos não receberam a tesourada mensal e estão exuberantes de ramos e flores. Como a bela-emília (Plumbago auriculata), planta sul-africana da família Plumbaginaceae que gosta de sol e tolera a falta de água. E é fácil de identificar:

a) as folhas têm margens onduladas e são simples, mas nascem aos molhos; os fascículos são alternados e têm estípulas, dois apêndices na base do pecíolo com formato de orelhas pequeninas - informação que se lê no epíteto específico auriculata;
b) as flores agrupam-se em cimeiras nos extremos dos ramos e têm cinco pétalas de cor azul-chumbo - o nome do género deriva justamente do latim plumbum - com um vinco central e unidas num tubo longo. (A variedade P. auriculata Alba dá flores brancas.)

Das raízes desta planta extrai-se a plumbagina, uma substância bactericida.

03/09/2006

Funcho-marítimo


Funcho-marítimo (Crithmum maritimum) nas falésias (concelho de Albufeira)

Momentos enriquecedores destas férias têm sido os desfrutados junto da pujante vegetação local. Uma das plantas mais abundantes, e também uma das mais bonitas e vistosas, é esta carnuda rastejante com inflorescências em forma de umbela. Provavelmente é por essa sua morfologia e por ser aromática que lhe chamam funcho-marítimo (como fiquei a saber lendo um dos painéis informativos do imperdível Percurso Pedonal de Interpretação Ambiental da Praia Grande* ). De acordo com a interessante página sobre a flora da ponta de Sagres também é designado por perrexil-do-mar (do castelhano perejil, salsa). Denomina-se em língua inglesa sea fennel, crest marine e rock samphire, em francês criste marine e perce-pierres; mas o meu preferido é o italiano finocchio di mare. A sua designação científica é Crithmum maritimum (do gr. krithe, cevada, em alusão à semente, segundo Stearn).

Para além do interesse ornamental -aparentemente ignorado (estranhamos o facto de não vir referida no livro Plantas do Algarve com interesse ornamental) , que uso tradicional terá aqui por terras do Algarve? Conta-nos Mrs. Grieve que em Inglaterra a usavam como condimento em picles e molhos. Trata-se, decidamente, de uma planta para um futuro (Plants for a Future: edible, medicinal and useful plants for a healthier world ;-)
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02/09/2006

Azinheira monumental - Portel


Fotos: manueladlramos- Agosto de 2003 .......clicar nas imagens para aumentar

«Azinheira da herdade do Vale da Rebola- pertencente à Casa de Bragança, fica na freguesia e concelho de Portel, a 3 km desta vila, próximo da estrada de Oriela-Portel. Esta árvore situa-se junto a uma linha de água próximo do "Monte", tendo as seguintes dimensões: 4,3 m. de P.A.P., 24 m. de diâmetro de copa e 25 metros de altura.» in Árvores Monumentais de Portugal de Ernesto Goes (1984)

Apesar das indicações e do seu porte, não foi "pêra doce" dar com esta árvore, pois ao contrário do que pensámos, ela não se avista da referida estrada. Mas valeu bem a pena o tempo passado à procura. Lamento no entanto não ter encontrado ninguém para meter conversa e ficar a saber mais alguma coisa sobre a azinheira e seus donos. Será que ainda pertence à Casa de Bragança como escreve Ernesto Goes? Terá entretanto sido classificada como árvore de interesse público? Bem o merecia, e já agora, ser integrada num circuito de azinheiras monumentais.

01/09/2006

Desta laranja não comerei



Maclura pomifera

Só com muita boa vontade é que estes frutos, de 10 a 14 cm de comprimento, fazem lembrar laranjas; mas Osange-orange, ou laranjeira-dos-Osages em tradução livre, foi o nome dado a esta pequena árvore nos EUA, de onde é originária. Os Osages e outros povos indígenas da América do Norte usavam a madeira, duradoura e de boa qualidade, para fabricar canoas; actualmente ela é empregue em postes e em travessas de madeira para ferrovias.

Ocasionalmente, a Maclura pomifera apresenta espinhos nas axilas das folhas, que são simples, pontiaguadas e alternadas. Única espécie do seu género, pertence à família Moraceae, que inclui as figueiras (género Ficus), as amoreiras (género Morus) e as tropicais jaqueiras (género Artocarpus); e é com o fruto desta última que a nossa pseudo-laranja mais se parece. Os frutos permanecem na árvore quando ela se despe no Outono; enquanto não caem, produzem um efeito ornamental digno de se ver.

As fotos foram tiradas no Jardim da Sereia, em Coimbra, onde, na parte superior, em volta do lago circular, existem vários exemplares de Maclura pomifera, alguns de idade avançada. Também no Jardim Botânico de Coimbra ela está representada perto da entrada das estufas. Vale a pena ir agora espreitar-lhes os frutos - embora, por não serem comestíveis, não os recomendemos para compotas.