Ponto, parágrafo
A espera pela meia-noite do dia 31 de Dezembro parece sempre uma das mais longas de que há memória, como se a física que rege o tempo se alterasse nesses fins de calendário. Por isso há que recorrer à imaginação para a preencher. Podemos optar por um demorado passeio num dos parques da cidade, a apreciar o aroma dos eucaliptos ou as magnólias a abotoar, assunto vasto para a conversa mais tarde com a família; ou ir ao Jardim Botânico do Porto conhecer um exemplar de Macadamia.
Fotos: pva 0412 - folhagem e sementes de Macadamia spp.
Esta árvore de origem australiana é da família Proteacea (tal como os géneros Banksia ou Grevillea) e as espécies integrifolia e tetraphylla (ou seus cultivares) produzem sementes que são consideradas as mais saborosas entre os frutos secos que hoje em dia se consomem. O nome homenageia John Macadam, médico e químico do século XIX, amigo de Ferdinand von Muller, botânico em Melbourne que primeiro nomeou este género. O exemplar do Jardim Botânico tem folha perene, ovada, ondulada no bordo, com cerca de 14 cm de comprimento, sem lóbulos e só ligeiramente serrada (diz-se inteira, daí que suspeitemos que seja integrifolia), de cor verde brilhante. As flores da macadâmia são brancas ou rosadas e desabrocham em cachos, num efeito ornamental muito vistoso; os frutos nascem em drupa, como nas palmeiras, depois dos 7 anos de idade da árvore. A plantação desta árvore com intenção comercial foi iniciada em 1858 em Queensland pelo administrador do Brisbane Botanical Garden; hoje o primeiro produtor é o Havai seguido pela Austrália e África do Sul, uma meia dúzia de países onde a macadâmia partilha com sucesso o solo e o clima favoráveis à planta do café, e outros interessados no preço elevado que esta semente tem no mercado.
Depois de uma tarde frutuosa a estudar esta árvore rara entre nós, merecemos o banquete de fim-de-ano. Como relata Miguel Esteves Cardoso, em A causa das coisas (1991), «Começa-se com um aperitivo, para aguçar um dente que já está perfeitamente vampiresco desde o meio-dia. (...) Depois do aperitivo, como «a comidinha demora», pedem-se «umas coisinhas para petiscar». Os portugueses não petiscam em vez de almoçar: petiscam porque vão almoçar. Chegam então aquelas partes do porco que servem para a locomoção, para o olfacto e para a audição, todas elas reciladas num molhinho com pesados pêsames de alho e coentrada. Juntamente com uns queijinhos para «fazer boca», e umas azeitoninhas para fazer companhia, servem para «ir comendo». «Ir comendo», como já sabemos, não conta como comer. A quantidade colossal de pão que se consome ao mesmo tempo - as chamadas «buchas» - também não conta, porque se destina a um fim essencialmente humanitário, que é «fazer a cama ao vinho». (...) Tecnicamente, os petiscos terminam quando principia a refeição propriamente dita (o «conduto»). (...) Impõem-se agora - precisamente - uma sopinha (talvez de grão, certamente com massa). Para quê? - poder-se-á perguntar. Para «assentar». (...) Depois dos petiscos para abrir o apetite, do conduto para dar força, do pão para fazer a cama, do arrozinho para ensopar e da sopa para assentar, vem a sobremesa para «tirar o gosto da sopa», a fruta para «desenjoar» e o bagacinho para «fazer a digestão».»
E umas deliciosas macadâmias para receber o novo ano.