«Serra de Aire, ladeirando para os píncaros. Prega de rechã, entre dois pequenos oiteiros... A Cova da Iria não está longe; não avista ainda a Terra escalavrada e pedregosa, austera e sofredora, mas trejeitando de primavera nos sarçais e rosmanos floridos. Aquém e além, lumieiras de giestas em pleno resplendor de oiro e neve.
Ali, os três pastorinhos foram descansar os seus rebanhos, embora não haja respiro de fonte e abanar de árvore à aragem. Calor de estio vivo, o Sol também a subir ao planalto da Montanha-Azul. No entanto, os três zagais brincam, riem, tagarelam, ora sentados entre as estevas mais altas, ora no galreado, saltado irrequietismo das crianças saudáveis e alegres.
JACINTA, na ribalta dum fraguedo cantando: O mundo pertence a Deus,/Como ao Sol pertence o dia,/Ao jardim pertence a flor/E o Mês de Maio a Maria.
LÚCIA, a mais velha e acomodada dos três, tentando medir as alturas da manhã:Vamos para o meio-dia.../Que sol bravo! Quem diria?
JACINTA, descendo: Parece que, lá por cima/ (Muita pressa, muita estima!) /Em lugar de ser em Junho,/Já começou o rascunho/Temporão/Das fogueiras/Saltadeiras/A Santo António e João.
FRANCISCO: A Serra, neste reconco,/Lembra-me o forno do pão,/Quando a Mãe, forquilha em punho,/Já tem desfeito em braseira,/Desde a rama até ao tronco,/Toda uma velha azinheira.
LÚCIA, pensativa: Sim! não vai para brinquedos/ Calma assim... Tenho na minha/Que o Sol também tem segredos.
FRANCISCO: Para os dizer à Noitinha?...
JACINTA: E a Noitinha, ao Rouxinol.
(...)
LÚCIA, muito séria: Olhai que já é desmando! (Tira dum bolsilho, sobre o peito, o seu Terço, passando-o pelos dedos. Logo, estremecendo): Coisa assim! Eis senão quando.../O Sol apegou-lhe o lume?! /Minhas contas de vidrilho/Jamais tiveram tal brilho:/São bugalhinhos de fogo!
JACINTA, também impressionada: O Terço fica para logo,/Ao bater do meio-dia,/Conforme ao nosso costume.
LÚCIA, erguendo-se: Pois vamos por aí fora, /Até à Cova da Iria,/ Segundo o Pai recomenda.
FRANCISCO: Vai levar um quase de hora, /E já me tarda a merenda.
(Ajuntam e afoutam as ovelhas).
(...)
OS CHASCOS, galrando e saltitando na pontinha dos tojos: - «Chás, chás!/Por aí bem vás, /Por aí bem vás. »
OS PISCOS, nos ramos dum carrasqueiro, falando aos chascos: - «Pis! pis! /Inda bem que não mentis,/Inda bem,/Como fizestes outrora/A pobre Nossa Senhora/Fugidinha Egipto além.»
(Para os pastores): -«Pis ! pis!/Por aqui bem is.»
(E, chascos e piscos, revolteando, cantando, tomam a dianteira, servindo de alados guias. Francisco, na sua avena pastoril, tenta uns arremessos de marcha heróica e triunfal).
JACINTA, cantando: A Iria dizem que foi. /Linda moirinha encantada./Vou pedir-lhe que se mostre.../Prometo não dizer nada! (...)»
"Pastoral" (1º quadro), Azinheira em Flor- O mistério de Fátima entrevisto, visionado e contado em alguns poemas por António Correia de Oliveira, ed. de C. d'Oliveira, Lda, 1954
Ler excerto de "A Flor da Azinheira" (2º quadro)