30/11/2004

Cancioneiro popular - tronco

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Faia- Serralves
Na casca de um tronco seco
O teu nome escrevi eu;
O meu amor é tão forte
Que o tronco reverdeceu.
...
(Tenho-me perguntado várias vezes: será que não há faias em Elsinore?)

29/11/2004

Ditoso...

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Ditoso o que em paternas, poucas jeiras
seus desejos encerra e seus cuidados,
e respira, contente, o ar nativo
em terra sua!

Seus gados lhe dão leite; pão seus campos;
seus rebanhos vestido; pelo Estio,
acha nas próprias árvores a sombra;
de Inverno, o lume.

Correm-lhe em um desleixo abençoado
suavemente as horas, dias e anos:
com saúde no corpo, paz no espírito
vela tranquilo.

A sono solto dorme; o estudo e cómodo
possui unidos - lícito recreio -
e com a meditação mais saborosa
goza o retiro.

Deixem-me assim viver, desconhecido;
deixem-me assim morrer, sem ser chorado,
do mundo homiziado e sem que a campa
diga onde jazo.

José Anastácio da Cunha in Composições Poéticas (1836)

28/11/2004

Despedida do Outono - Tibães


Fotos: mdlr 0311 - Mosteiro de Tibães - Braga



Paisagem de final de Outono em Tibães : na cerca do Mosteiro ( «...de 40 hectares, a maior cerca monástica preservada em Portugal ...») pode admirar-se um conjunto notável de espécies arbóreas nomeadamente carvalhos, azevinhos, castanheiros e medronheiros (para além de cedros e pinheiros de alto porte, como já aqui mostrámos).
Só não se entende por que razão é igualmente assinalável o número de acácias-austrália num local em que se pretende preservar a flora autóctone.

Breve nota: antes de uma deslocação ao Mosteiro de Tibães (freguesia de Mire de Tibães, concelho de Braga) será de toda a conveniência assegurar-se que não se realizam, no terreiro em frente à igreja, nenhuma feira ou festa popular. A sanfona debitada nestas ocasiões pelos altifalantes arruinará por completo a visita.

Sobre este local e a sua história ver IPAR-wikipedia.

27/11/2004

Nos jornais # 1

Hoje no Fugas (Público) : Monsanto A Floresta Renascida

Ecos da discórdia

1970 foi o Ano Europeu da Conservação da Natureza. Nesse âmbito, e entre as iniciativas de índole mais duradoira, propôs-se que todos os países promovessem homenagens anuais à árvore. Por cá, vivia-se desde 1917 na ressaca de uma polémica inusitada em torno da festa da árvore, que gerou reacções de alguma virulência, como esta no periódico A Democracia, em 1914:

Os católicos não podem colaborar nesta festa naturalista e ateia,(...) explorada pelo sectarismo maçónico que lhe manda imprimir feição panteísta e genuinamente pagã.
- entremeadas de outras opiniões de sinal contrário:
Não tem padres a festa, nem nela se observa a liturgia romana? E é isso coisa necessária para que a árvore crie raízes, cresça, lance a ramagem, frutos e flores? In Jornal de Guimarães (1914)

(Textos completos em "Árvores, Florestas e Homens" de José Neiva Vieira)

Aqui ficam as palavras de alguém que testemunhou estes acontecimentos e saudou em 1971 o regresso do Dia da Árvore:

«Tenho sido mais combativo, em defesa da árvore, quanto mais a vejo condenada por quem a não sente, por quem não sabe o que lhe deve, por quem desconfia do oxigénio, por quem dispensa a chuva, por quem não aprecia a sombra em dias de calor, nem o colorido, carregado de aromas, da Primavera. (...)

Querem agora os Serviços Florestais que se consagre à árvore o dia 26 de Novembro de cada ano. Melhor seria que os Serviços Florestais lhe consagrassem todos os dias que Deus deita ao mundo. Vinte e quatro horas, em cada ano, é pouco. Mas, se for bem aproveitado, poderá render cem por um em benefício da árvore. Bem hajam os Serviços Florestais.

Vamos ter, outra vez festa da árvore? Oxalá que sim. Essa festa, criada em horas estelares, foi vítima de sonhos tenebrosos. Matou-a quem imaginou que Deus Nosso Senhor, depois de criar a árvore, se arrependeu a ponto de pedir aos crentes que lha excomungassem bem excomungada. Chegou a dizer-se, no auge desse delírio, que boas almas de santos, amigos do arvoredo, tinham sido escorraçadas do céu para o inferno.

A festa da árvore deve ser comunhão de crentes e descrentes. Deve congraçar, num minuto, quantos filhos de Deus houver dotados de inteligência. Os espoliados, se não concordarem com ela, que abanem as orelhas... Mas, ninguém lhes reconheça, como da outra vez, o direito de proscrever uma festa divina.»

João de Araújo Correia, Pó levantado (28 Novembro de 1970)

26/11/2004

Certificado de Mérito Arboricida



A associação de defesa do ambiente Campo Aberto galardoou ontem, 25 de Novembro, a Empresa Metro do Porto com um certificado de mérito arboricida. Para quem vive na região do Porto e anda de olhos abertos, a distinção surge como inteiramente merecida. Em cima reproduz-se o bonito diploma que foi entregue à Empresa. A seguir transcrevemos parte do comunicado de imprensa que justifica o prémio com um resumo do lastimável currículo da empresa. Os leitores interessados podem solicitar-nos o texto completo pelo endereço electrónico diascomarvores@sapo.pt

«Numa época em que o trânsito automóvel citadino atinge níveis insuportáveis, a construção de uma rede de metropolitano no Porto pode, no futuro, contribuir fortemente para atenuar o excesso de veículos em circulação. Por isso a valia ambiental do projecto é, à partida, indiscutível - apesar de outras alternativas para uma mobilidade mais sustentável terem sido possíveis. O mérito da ideia não nos faz, contudo, esquecer as imperfeições da sua concretização: um atestado de virtude intrínseca não serve de indulgência vitalícia para pecados graves que traduzem uma preocupante inconsciência ambiental.

O curriculum invejável da Empresa Metro do Porto nesta matéria levou a Campo Aberto a atribuir-lhe um certificado ignominioso. Outras entidades poderiam ser galardoadas, mas cremos que os feitos da Metro foram tantos, de tal ordem e num espaço de tempo tão curto que a distinção lhe era, praticamente, obrigatória. Apetrechada com financiamento em abundância, a empresa tem sistematicamente canalizado essa capacidade não em padrões de comportamento ambiental mais exigentes, mas sim, amiúde, na destruição do ambiente propriamente dita.

Evidentemente que um projecto como o metro, apesar de representar uma melhoria significativa no sistema de transportes, terá sempre impactes ambientais negativos. Pode também constituir uma oportunidade para se valorizar o espaço público e corrigirem erros do passado. Mas infelizmente não é esta a regra. Em muitos casos, mesmo quando havia alternativas, o Metro tem contribuído para aprofundar chagas já bem evidentes nas nossas cidades, arrasando com árvores e jardins que poderiam ser poupados e melhorados. Ao invés de se canalizarem os recursos existentes para valorizar aquilo que existe e tem qualidade, promovem-se operações urbanísticas destituídas de qualquer interesse que, indubitavelmente, empobrecem a nossa já sacrificada paisagem urbana. E o metro nada ganha com esta imagem marcadamente negativa que a ele se associa.»

Nos jornais: Jornal de Notícias, Diário de Notícias
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25/11/2004

Estátua de Brotero - Jardim Botânico de Coimbra


Foto: mdlr 0005 - Brotero entre Ginkgos
Se estivesse na capital de certeza que arranjava maneira de ir ao Jardim Botânico da Universidade de Lisboa que, como já aqui noticiámos, comemora os duzentos anos da publicação da Flora Lusitanica, hoje, dia do nascimento de Felix de Avelar Brotero (1744-1828).

Assim limito-me a publicar a fotografia da estátua deste ilustre botânico. Da autoria de Soares dos Reis (1867) , magnificamente enquadrada por dois exemplares de Ginkgo biloba, tornou-se por assim dizer o "ex-libris" do Jardim de que Avelar Brotero assumiu a direcção botânica a partir de 1791 (Ler "História e vocação do Jardim Botânico de Coimbra" aqui) .

24/11/2004

Rainha Faia


Foto: pva 0411 - faia no jardim da Casa das Artes - Porto

Tirando uma ou outra menção ocasional, ainda aqui não tínhamos prestado a devida atenção à faia (Fagus sylvatica) - ela que é, em beleza de formas, a mais séria candidata, a par da tília, ao título de rainha das folhosas europeias. Tal como à tília, também à faia a perda das folhas não diminui o encanto, com a nudez invernal a evidenciar a arquitectura harmoniosa da sua copa e a lisura sem mácula do seu ritidoma cinzento.

Algumas notas soltas sobre a faia:

1) A Fagus sylvatica, árvore da família das fagáceas (a que também pertencem os géneros Quercus e Castanea), não faz parte da flora autóctone ibérica, embora seja espontânea em boa parte da Europa.

2) A faia é, em cada ano, uma das últimas árvores a despir-se de folhagem, já no termo do Outono; e, nessa fase, tem já muito adiantada a preparação da época seguinte: os botões das novas folhas, em forma de agulhas bojudas, surgem ainda no final do Verão anterior. As folhas secas formam, em redor de cada árvore, um espesso tapete que demora longo tempo a decompor-se - o que, juntamente com a copa densa e vasta, dificulta a germinação de outras plantas. Por isso é comum, no norte e centro da Europa, as faias formarem bosques mono-específicos.

3) A faia é a melhor árvore para inscrever mensagens (passatempo aceitável se praticado com moderação): coração que nela se grave não se apaga, antes se expande sem distorções e dura uma vida inteira - porventura até às bodas de ouro, garantidamente até ao divórcio. Para o mesmo efeito, a pior árvore é, sem dúvida, o plátano: o contínuo descascamento do tronco faz desaparecer em poucos meses qualquer jura de amor eterno que se lhe confie.


Foto: mdlr 0411 - Bosquete de faias em Serralves

4) A faia é frequente em jardins e parques portugueses (não tanto em ruas, porque as suas dimensões não a recomendam para alinhamentos), e será pois escusado dizer aos leitores onde a podem encontrar. Mas seria indesculpável não assinalar, no Porto, o bosquete de faias em Serralves, que é o mais bonito e homogéneo que conhecemos, e inclui um espécime do raro cultivar asplenifolia, com folhas profundamente recortadas.

23/11/2004

Reciprocidades

Vale bem a pena visitar o desNORTE, que nos propõe viagens, guiadas por mão segura, por "lugares, histórias, sons e outros assuntos não relacionados". O mais recente postal deste blogue, ilustrado por persuasivas fotos, convida-nos a conhecer o Parque de S. Roque, no Porto. Óptima sugestão!

Da festa da árvore ao dia da floresta autóctone

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O testamento singular aqui publicado levou-me a procurar um volume da "Ilustração Portuguesa" de 1914 onde se encontram diversas reportagens fotográficas sobre as chamadas Festas da Árvore, das quais se reproduzem parcialmente duas.


A surpresa que estes textos poderão causar, por revelarem um inesperado culto da árvore que parecia então varrer o país do Norte a Sul, ficará dissipada com a leitura do interessante artigo "Árvores, Florestas e Homens" do engenheiro José Neiva Vieira, publicado em 2000 no Naturlink e cuja versão em papel se intitulada "Da festa da árvore ao dia mundial da floresta" (DGF)

Com efeito estas comemorações já quase centenárias da Festa da Árvore realizaram-se entre 1907 e 1917, tendo o Jornal "O Século Agrícola" (secundado pela "Ilustração Portuguesa" e outros periódicos) lançado, a partir dos anos 1912, uma verdadeira campanha de propaganda a seu favor.
Como explica José Neiva Vieira: «A implantação da República em 1910 criou um quadro político propício às grandes campanhas cívicas e de esclarecimento dos cidadãos, como é tradicional, quando há mudanças drásticas de regime. E a Festa da Árvore enquadrava-se nesse espírito. Daí o grande entusiasmo dos vultos republicanos à volta destas iniciativas mas também a reserva, se não hostilidade, de forças conservadoras que viam nestas comemorações uma forma hábil de penetração dos novos ideários em meios, nomeadamente rurais, onde não tinham tradicional implantação.»


Fotos reproduzidas da "Ilustração Portuguesa", 1914
Não nos restam agora dúvidas quanto aos possíveis ideários do simpático autor do testamento, que previa, na sua vila, a construção de duas escolinhas, ambas com «um jardim com árvores, para as crianças estudarem de Verão à sombra» e «salas com muito ar e muita luz», cujas paredes deveriam ostentar um conjunto de máximas verdadeiramente notáveis que apetece ler e saborear, vezes sem conta: «(...) As árvores não se destroem, porque as árvores produzem frutos para comer, produzem sombra para nos abrigar dos raios solares, produzem lenha para nos aquecer e para os usos domésticos, e purificam o ar que respiramos... » (cont. aqui).

A razão de ser do título prende-se evidentemente com o facto de se comemorar hoje o Dia da Floresta Autóctone, data que, segundo muita gente entendida (ver por ex. Quercus), deveria substituir em protagonismo o Dia Mundial da Floresta, celebrado numa altura pouco propícia, no nosso país, às plantações de árvores.
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(Actualização: 27/11/04 - Ecos da discórdia )

22/11/2004

Manhã de sol em Serralves


Azáleas em flor e liquidâmbares- Serralves
Depois de uma semana em que um inoportuno resfriado tudo fez esmorecer, soube bem voltar a sair e aproveitar ainda esta luz. Em Serralves, enquanto o verde das faias começa a amarelecer e os castanheiros atingiram o limite do dourado, os liquidâmbares já estão quase completamente sem folhas.
Surprendente é o contraste dos seus troncos e ramos despidos com as azáleas floridas.
Nestas a azáfama era grande: apesar do que consta alguém deve ter dado bem as notícias...

fotos: mdlr 0411 .......................

21/11/2004

Boa notícia # 3 - Homenagem a Brotero

No próximo dia 25 de Novembro, data de nascimento do grande botânico Felix de Avelar Brotero (1744-1828), o Jardim Botânico da Universidade de Lisboa, associando-se à Semana da Ciência e da Tecnologia, assinala a efeméride comemorando os duzentos anos da publicação da primeira Flora Lusitanica*. Ver mais detalhes aqui.

*Flora Lusitanica: seu plantarum, quae in Lusitania vel sponte crescunt: vel frequentuns colunter, ex florum praesertim sexuleus systematic distributarum: synopsis / Felicis Avellar Brotero.- Olissipone: Ex Typogr. Regia, 1804 d

As notícias que ninguém dá



Fotos: pva 0411 - Porto - camélias em S. Lázaro e no Jardim Botânico

«Vivemos numa sociedade que é uma verdadeira informo-esfera, a qual, todavia, se evidencia como um instrumento mais fácil para desconstruir, desinformar e obliterar a verdadeira cultura humanista do que para praticar isto que costumo dizer aos meus alunos: quando é que a televisão e as primeiras páginas dos jornais abrirão com uma notícia a dizer: Hoje nasceu uma flor no jardim da minha vizinha. (...) Quando disse isto a primeira vez, foi uma gargalhada na aula; hoje, ficam inquietos, porque ainda não ouviram essa notícia.»

E. M. de Melo e Castro entrevistado por Maria Augusta Silva, do livro Poetas Visitados, Edições Caixotim, 2004

Notícia anterior da mesma série aqui

20/11/2004

Linden time


foto: mdlr 0311-Tibães..Folhas de tília no lago

19/11/2004

Testamento singular

«Eu, Bonifácio da Silva Alves Teixeira, encontrando-me de perfeita saúde e no pleno gozo das minhas faculdades mentais, sendo, porém, mortal, como todo o vivente, tenho resolvido fazer o meu testamento que é como segue:

(...) De tudo quanto possuo em Portugal e no Brasil, tanto herdado como adquirido, disponho da maneira seguinte: (...) Se for vendida, como suponho, a minha casa de residência, determino que sejam construídos dois prédios para duas escolas, uma para meninas e outra para meninos, prédios solidamente construídos, que deverão ter um só pavimento corrido, com muito ar e muita luz, meio metro acima do solo, com capacidade para oitenta alunos, cada escola (...). Qualquer das duas escolas deverá ter um jardim com árvores, para as crianças estudarem de Verão à sombra.

Deixo mais, para mobília das duas escolas, mobília que será da mais aperfeiçoada, quatrocentos mil réis e mais duzentos e cinquenta mil réis para serem comprados os objectos seguintes, os quais serão divididos por ambas as escolas de meninos e de meninas: dois metros e outras medidas métricas para ensinar praticamente; duas esferas terrestres; duas ditas celestes; dois mapas de toda a Terra; dois mapas de Portugal continental; dois mapas de cada um dos territórios que são Portugal fora do continente europeu; e mais vinte quadros, dez para cada escola, onde se mandará imprimir, com a máxima clareza, alguns conselhos úteis e algumas máximas morais, tais como: (...) As árvores não se destroem, porque as árvores produzem frutos para comer, produzem sombra para nos abrigar dos raios solares, produzem lenha para nos aquecer e para os usos domésticos, e purificam o ar que respiramos... (...) Os animais domésticos não se maltratam, uns por serem úteis, outros por serem guardas e outros por ajudarem os homens em seus trabalhos... (...) Todas as pessoas nascem para serem livres... O medo não existe... Na Terra, não existe nada de sobrenatural... A vaidade é prejudicial aos homens, e muito mais às mulheres... A sujidade, a porcaria, são sempre nojentas, repugnantes à vista e prejudiciais à saúde... (...) Peço ao senhor professor e à senhora professora para não se esquecerem de, todos os sábados, fazerem uma curta prática aos alunos e às alunas, a respeito das máximas e conselhos que acima menciono, de modo que uns e outras os compreendam. (...)»

vinte e seis de Junho de mil novecentos e nove

(Extraído do livro Memórias de Vidago de Floripo Virgílio Salvador, 2004)

18/11/2004

Os nomes das árvores - Dióspiro

Diospyros kaki L. (D. Sinensis Bl.) - Espécie originária da China e do Japão, foi introduzida na Europa em 1796, por William Roxburgh, botânico inglês responsável pelo jardim botânico de Calcutá. Todavia, ao contrário da sua congénere Diospyros lotus L, de frutos bastante mais pequenos, cuja cultura é documentada no 'velho continente' a partir dos finais do séc. XVI, a cultura do Diospyros kaki só começou a divulgar-se depois de meados do séc. XIX.

Kaki em francês, italiano e basco; caqui em catalão e no Brasil, onde também lhe chamam caquizeiro; kakipflaume em alemão; persimmon em inglês; e, se bem que não seja incorrecta a designação caqui (ou cáqui) (e caque e figo-caque em Macau, de acordo com o Houaiss), em Portugal chamamos a esta árvore, diospiro, dióspiro (ou diospireiro), designações derivadas directamente da denominação científica do género atribuída por Lineu. De acordo com Jacques Brosse*, Lineu usou o termo com que Teófrasto (c 371 -c. 287 AC) designava os frutos do já referido Diospyros lotus; sempre gostei de pensar que a palavra 'diospyros' significava "fogo dos deuses"! Mas não: se bem que 'dios', em grego seja com efeito 'de deus', já 'pyros' quer dizer 'o trigo, o grão', significando portanto o conjunto "alimento divino".


Quanto a kaki, designativo da espécie, é a abreviação de 'kakino', o nome japonês do fruto. E a mais não nos aventuramos, no que respeita as designações chinesas e japonesas do diospiro, pois existem nomes diferentes para todas as formas e partes do fruto e da árvore, consoante se encontram frescos, secos ou fermentados, salgados ou doces, em pó ou aos pedacinhos... Todas estas versões com propriedades a não desprezar, das quais decorei duas: a pele seca pode ser usada como adoçante e as sépalas secas e reduzidas a pó são boas contra os soluços!

Para terminar, fiquemos a saber que o género Diospyros (que conta com mais de 400 espécies) é o principal género da família das Ebenáceas, árvores e arbustos na sua maioria tropicais com madeira muito dura. A tão preciosa madeira de ébano provem justamente de árvores do género Diospyros: não só do D. ebanum, o verdadeiro ébano, de cor negra, como de outras espécies, com ébanos que podem variar do castanho escuro ao cinzento, com reflexos e veios de tonalidade mais quente. A designação em castelhano de "palo-santo" para o diospireiro tem decerto a ver com a sua madeira, também usada** em ebanesteria, a arte do ebanista, marceneiro "que ensambla ou entalha". ( cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)

* Larousse des Arbres et des Arbustes, Larousse-Bordas (2000)
** Segundo Lorenzo-Cáceres in Arboles Ornamentales

17/11/2004

A Árvore de Natal do Senhor Ministro

«É, entre os lugares-comuns da vida e da ficção, um dos que mais facilmente desentopem as vias lacrimais: a prenda amorosamente escolhida que nunca é entregue ao destinatário. É um sentimento agridoce, a nostalgia irremediável do que podia ter sido e nunca há-de ser.

Que tem o diospireiro (Diospyros kaki) a ver com isto? Vamos por partes. Como se sabe, a Árvore de Natal e o Pai Natal são entre nós uma tradição espúria, importação anglo-saxónica que quase obliterou o Menino Jesus no seu Presépio. Mas, tirando o corte descontrolado de algumas coníferas a que felizmente se vai pondo freio, não há nada de intrinsecamente ruim na ideia da Árvore de Natal; a sua aplicação prática é que tem ampla margem para melhoria. (...)»

Adenda (18 de Maio de 2009)
A crónica de que acima se pode ler um extracto dá título a um livro acabado de publicar pelas Edições Afrontamento na colecção Viver é Preciso. O livro, da autoria de Paulo Ventura Araújo, reúne textos e fotos deste blogue. Eis o texto de apresentação:
As crónicas coligidas neste livro apareceram originalmente no blogue Dias com Árvores. Nelas se fala de árvores, citadinas ou não; de cidades, com ou sem árvores; de jardins e de espaços naturais. São três as cidades eleitas: o Porto, onde o autor se formou e onde vive; Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, a mais bonita das cidades portuguesas; e Londres, onde o autor dá livre curso à sua anglofilia a pretexto de jardins, parques e cemitérios. Há ainda incursões por vários outros lugares do nosso país, da ria de Aveiro ao Minho e a Trás-os-Montes, e considerações judiciosas sobre a árvore de Natal, sobre a cromofobia (doença para a qual o autor foi o primeiro a alertar o público), sobre painéis publicitários nas estradas, e sobre pesca à linha. Tudo isto em 83 crónicas e mais de 150 fotos - mostrando, cada uma a seu modo, que Viver é Preciso.


A Árvore de Natal do Senhor Ministro - Crónicas Arborescentes
Edições Afrontamento / Colecção Viver é Preciso - n.º 22
ISBN 9789723610123
Data de publicação: Maio de 2009
Número de páginas: 208


[Se não o encontrar nas livrarias, pode pedi-lo pelo
endereço contacto(at)campoaberto.pt ou encomendá-lo aqui]

Notícias, críticas e reacções
(Il va sans dire que estou muito grato a todos quantos têm ajudado a divulgar o livro - fazendo-o desinteressadamente, apenas porque gostam de árvores e da natureza. PVA)
  • Valkirio (15 de Maio de 2009)
    Notícias
    Entretanto, e para desanuviar, boas notícias para matar saudades. Tive conhecimento, através de comentários deixados pela Bettips, que o Paulo Araújo (sim, do Dias com árvores) acabou de publicar mais um livro com crónicas arborescentes. Chama-se "A Árvore de Natal do Senhor Ministro".
    [Indo a correr para comprar]
  • Bettips (18 de Maio de 2009)
    Livro com Dias
    (...) Uma agradável surpresa ter recebido uma mensagem do Paulo a anunciar-me o lançamento - e o envio! - do seu livro, com alguns textos e fotos reunidos a partir do blog: "A Árvore de Natal do Senhor Ministro". Ninguém me "encomendou o sermão" - e nem costumo referir comércios e publicidades! Mas este... não é mais um: para mim é único por ter nascido duma ideia - que tantas vezes me surge ao ver escrita e fotos de qualidade: tocar com os dedos o que está no espaço da mente.
  • A sombra verde (19 de Maio de 2009)
    A Árvore de Natal do Senhor Ministro
    Crónicas arborescentes de Paulo Araújo. Escrito por quem as conhece, e ama, como poucos. Para todos nós que partilhamos esse amor.
  • Blog de cheiros (19 de Maio de 2009)
    As Árvores e os Dias da Manuela da Maria e do Paulo
    Foram a maior inspiração e os principais responsáveis por este blog. Tenho muitas saudades das surpresas quase diárias do "Dias com Árvores" , mas, na qualidade de jardim abandonado, continua ainda a ser muito útil e, como é característica de todos os jardins abandonados, encontro-o sempre cheio de vida. O Paulo Araújo editou há pouco um livro sobre - imaginem! - Árvores. Chama-se "A Árvore de Natal do Senhor Ministro" e promete encantar...
  • Bandeira ao Vento (22 de Maio de 2009)
    Crítica invejosa
    Não me lembro já em que exacto momento ou particulares circunstâncias me vi possuído pela ideia de compilar um conjunto de crónicas belíssimas sobre a vida arborescente (e não só) de três cidades: o Porto, Angra do Heroísmo e Londres, urbe mais pequenita mas onde com frequência me desloco para andar na Roda do Milénio e dizer “toodle-do and what’s not”.
  • Quinta do Sargaçal (22 de Maio de 2009)
    A Árvore de Natal do Senhor Ministro +
    Crónicas arborescentes de Paulo V. Araújo, um dos autores do Dias Com Árvores.
  • Francisco José Viegas na revista Ler (Junho de 2009)
    Enumeração de árvores, sombras, planaltos, jardins, becos iluminados por uma ramagem
    Em A Árvore de Natal do Senhor Ministro (publicado pela Afrontamento), Paulo Ventura Araújo faz de botânico, geógrafo, cronista, fotógrafo - e de último dos românticos. Para que as árvores reconquistem um sentido na nossa vida.
  • Campo Aberto
    Sessão de apresentação do livro em 3 de Junho de 2009 (ficheiro mp3 com 42 minutos de duração disponível aqui).
  • Maria Augusta Silva na revista NS - Notícias Sábado (26 de Setembro de 2009)
    Crítica do livro (classificação atribuída: 4 estrelas em 5 possíveis)
    (...) Juntam-se às palavras 150 fotografias do autor, também elas espantosas. Palavras e imagens convocam-nos para reflexões inadiáveis numa escrita também ela árvore frondosa. O Porto em particular, onde vive e que ama, motiva-lhe agudas críticas. (...) Com saber e sensibilidade, Ventura Araújo fala de árvores, flores, jardins, parques, ruas. Leva-nos a outras terras, nomeadamente a Angra do Heroísmo e Londres. Analisa paisagens e comportamentos. Encanta-se quando a natureza é amada e respeitada. Enluta-se com desvarios. Um livro que desafia inteligências graníticas.

16/11/2004

Árvores do Jardim do Carregal #3


Cunninghamia lanceolata - J. Carregal, Pedras Salgadas, Santo Inácio

O Jardim do Carregal, de 1897, é uma das obras mais bem sucedidas do jardineiro-paisagista Jerónimo Monteiro da Costa que, como director dos jardins municipais - e ao lado de Baptista de Lima Júnior, então vereador com o pelouro dos jardins - desenhou a maioria dos espaços verdes que marcaram a cidade no início do século XX. A lista notável de jardins que esta equipa construiu, ou melhorou, alguns dos quais sofreram entretanto opções urbanísticas que lhes adulteraram a fisionomia, inclui, além do Jardim do Carregal, o do Passeio Alegre, os das praças Infante D. Henrique, Carlos Alberto, República e Marquês de Pombal, o da Rotunda da Boavista, o do Campo 24 de Agosto e o Jardim da Arca d'Água.

O Jardim do Carregal é quase uma mini-floresta de coníferas. Predominam ali árvores de folha perene, que mantêm todo o ano os traços essenciais do ajardinamento romântico. A Cunninghamia lanceolata é um dos seus prodígios, uma taxodiácea de origem chinesa. O nome do género homenageia James Cunningham, que enviou em 1702 as primeiras amostras desta árvore para Inglaterra; o epíteto da espécie refere-se ao formato "em lança" das folhas, que são verdes na face superior, com duas bandas claras na inferior, e espiralam pelos ramos (como na Araucaria angustiolia; segundo o livro Portugal Botânico de A a Z, um dos nomes comuns da Cunnighamia é justamente falsa-araucária). As pinhas femininas parecem piões, com bico pronunciado; as masculinas formam ramalhetes pequeninos na ponta dos ramos.



No Porto não conhecemos mais exemplares de Cunninghamia. Mas na Quinta de Santo Inácio, em Vila Nova de Gaia, fomos surpreendidos por algumas árvores desta espécie ainda jovens e com excelente desenvolvimento. No Parque de Pedras Salgadas foi-nos apresentada outra com a copa muito aberta, típica das árvores mais idosas.

Anteriores na série: Árvores do Jardim do Carregal #1 e #2
Fotos: pva 0410/0411

15/11/2004

Voltaram os amores-perfeitos!


Fotos: mdlr 04 ......Jardim do Passeio Alegre ....... Ramalde

Voltaram os amores-perfeitos aos canteiros dos jardins e recantos ajardinados da nossa cidade, das zonas mais chiques aos bairros populares! Voltaram, mas apenas aos jardins não requalificados, entenda-se! Vão andar por cá o Inverno todo e são uma alegria para os olhos, o mesmo é dizer uma consolação para a alma. Bem hajam jardineiros da CMP!
Ver sobre este tema: Verde e branco em dia cinzento

14/11/2004

O espírito do lugar


Foto: pva 0411 - Vidago

«Há lugares que sabem expor com prodigiosa habilidade o seu espírito. Sentimos neles uma ternura, um afago de colo. Sem darmos conta, emaranhamo-nos nos seus capilares sediosos. E quanto mais nos tentamos afastar, mais os sentimos esponjados e a nós tomados. Se os víssemos ao contrário, descobriríamos nestes lugares o trabalho de aranha e no seu encantamento, uma injecção dos venenos.

Vidago é um desses lugares. Para lá chegar, indo do Sul, tem que se subir muito. Passar por Samardã. Por Camilo. Pelos lobos. Por pedregulhos, tojos e urzes. Depois vão surgindo os pinheirais, cada vez mais densos. De dentro do seu verde espesso elevam-se plátanos gigantescos. Nunca vi outros maiores. Um comboio fumegante, pequenino como nas histórias, chegava sempre atrasado, e quase piedoso, a este lugar. Uma pequena estação sufocada pelo arvoredo recolhia-o logo, abrindo-se depois para as alamedas dos grandes plátanos. Nas suas altas copas escorriam longamente os primeiros dias de Outono. A luz amarelada dos globos acendia-se antes do tempo. (...)

Mas também estes lugares são atacados pela morte. Primeiro, interrompeu-se o curso dos comboios. Os pinheirais arderam neste Verão. O Tâmega "apareceu" poluído. (...) O vento desce agora, impiedoso, da serra. Rodopiam pelo chão as folhas secas das tílias e dos plátanos. A fuligem recobre a estação abandonada. (...)

Com o tempo, resta aos lugares instalarem-se dentro de nós. E crescerem desmesuradamente com os dias. Nós é que os protegemos. Eles servem para representar a nossa história.»

Manuel Hermínio Monteiro, In O Independente (1990)

13/11/2004

Tília de Nuzedo


Foto: pva 0411 - Nuzedo

É em Nuzedo, aldeia de Vila Pouca de Aguiar situada a norte da sede do concelho, que fica este antigo apeadeiro da linha do Corgo. A linha ligava Régua a Chaves, mas desde 1990 que os comboios não vão além de Vila Real. O desmantelamento da rede ferroviária nacional, a partir da década de 1980, foi quase completo em Trás-os-Montes, com o encurtamento ou fecho da linha do Douro e de todos os seus ramais (linhas do Tâmega, Corgo, Tua e Sabor). Não teria sido impossível fazer circular, nas mesmas linhas, comboios modernos que assegurassem tempos de viagem razoáveis, mas o investimento público, com excepção das linhas suburbanas de Lisboa e Porto e do mirífico TGV, há muito que abandonou a opção ferroviária. Percorreu-se um caminho sem regresso: arrancaram-se carris, e os edifícios e as velhas máquinas foram deixados ao abandono; não houve sequer a lucidez de aproveitar turisticamente esse património.

Agora é moda transformar em ciclovias as antigas linhas ferroviárias. Com isso tranquilizam-se algumas consciências: afinal, não há meio de transporte mais ecológico do que a bicicleta. Esquecem que a extinção da ferrovia (ou a recusa em modernizá-la) exacerbou o trânsito automóvel, e que a bicicleta só será considerada opção normal de transporte quando for possível usá-la sem perigo nas mesmas estradas (exceptuando auto-estradas e vias rápidas, naturalmente) por onde circulam os restantes veículos. A ciclovia nada tem a ver com a bicicleta como meio de transporte: é puro entretenimento (muito agradável, por sinal).

Também a linha do Corgo entre Vila Real e Chaves há-de ser convertida em ciclovia de recreio: a ideia é levar a bicicleta amarrada ao tejadilho do automóvel, dar umas pedaladas para aquecer, e regressar a casa outra vez de automóvel. Este extracto de uma notícia de 2003 no JN sobre a projectada ciclovia não deixa dúvidas: «A ciclovia terá também uma particularidade: em alguns dos pontos poderão circular veículos de quatro rodas. (...) Nos espaços envolventes e edifícios das estações, (...) o projecto aponta para a instalação de pequenas pousadas, parques de campismo e estacionamento (...)»

Bom, chega de carpir e falemos das árvores na foto: esta magnífica e redondíssima tília, que faz do apeadeiro uma casa de bonecas, pode observar-se da EN 2, entre Vila Pouca de Aguiar e Pedras Salgadas; à esquerda na foto, junto à estrada, distinguem-se alguns altivos ciprestes (Cupressus spp.); e, à direita, uma cerejeira desgrenhada contrapõe a sua copa matizada de laranja ao amarelo uniforme da tília. É uma paisagem no auge da transfiguração: o Outono puxou da paleta e tingiu-a com a glória das suas cores efémeras.

12/11/2004

Más notícias #2

«A grande poda: Avenida Central, em Braga, só com troncos

Foi uma poda radical aquela que os funcionários da Câmara de Braga fizeram às árvores da Avenida Central. Depois da forte tempestade que, há dias, arrancou uma árvore atirando-a sobre um automóvel, a autarquia decidiu cortar o mal (quase) pela raiz. Em vez das podas "normais", os aplicados funcionários da câmara bracarense deixaram de pé, na Avenida Central, apenas o tronco das árvores. Entre os olhares admirados dos transeuntes, alguns deles já idosos, era visível a tristeza de quem nunca, em muitos anos de vida em Braga, tinha visto coisa semelhante. Agora, na mais típica das avenidas da "Cidade dos Arcebispos", em vez de árvores, há troncos. Centenários, é certo, mas troncos. Sem um ramo, sem uma folha, mas de pé. Como devem estar as árvores.»
In Público, Local Porto, de 12/XI/2004

Folhas de pedra #2


Fotos: pva 0410 - Porto

Publicámos aqui, em jeito de enigma, a foto de um friso com motivos botânicos num prédio não identificado da Baixa do Porto. Não demos mais indicações sobre a localização do edifício porque nos pareceu que, mesmo conhecendo-o de vista, quem nunca tivesse atentado nos seus elementos decorativos dificilmente se recordaria deles. Mas, uma vez que esses frisos são tão invulgares, é bom que o prédio seja reconhecido, e por isso aqui deixamos uma sua foto de corpo (quase) inteiro: vazio e há já vários anos para venda, fica na esquina das ruas do Almada e de Elísio de Melo, entre a Praça de Filipa de Lencastre e a Avenida dos Aliados. Para reforçar nos leitores a vontade de o ver de perto, divulgamos agora a foto de um seu outro friso, desta vez mostrando as agulhas e pinhas de um pinheiro.


11/11/2004

O homem das castanhas



Na Praça da Figueira, ou no Jardim da Estrela,
num fogareiro aceso é que ele arde.
Ao canto do Outono, à esquina do Inverno,
o homem das castanhas é eterno.
Não tem eira nem beira, nem guarida,
e apregoa como um desafio.
É um cartucho pardo a sua vida,
e, se não mata a fome, mata o frio.

Um carro que se empurra,um chapéu esburacado,
no peito uma castanha que não arde.
Tem a chuva nos olhos e tem o ar cansado
o homem que apregoa ao fim da tarde.
Ao pé dum candeeiro acaba o dia,
voz rouca com o travo da pobreza.
Apregoa pedaços de alegria,
e à noite vai dormir com a tristeza.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais calor p'ra casa.

A mágoa que transporta a miséria ambulante,
passeia na cidade o dia inteiro.
É como se empurrasse o Outono diante;
é como se empurrasse o nevoeiro.
Quem sabe a desventura do seu fado?
Quem olha para o homem das castanhas?
Nunca ninguém pensou que ali ao lado
ardem no fogareiro dores tamanhas.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais amor p'ra casa.

J. C. Ary dos Santos
(a propósito: Lisboa 1977-2004. Porquê? )

10/11/2004

A propósito do S. Martinho - provérbios

Não há dia de S.Martinho que se preze sem um magusto ou, quanto mais não seja, umas castanhitas assadas no forno caseiro ou compradas a caminho de casa, ao homem das castanhas. Faz parte da tradição!
No entanto, a única e exclusiva razão da festa deste Santo andar associada a castanhas deve-se ao facto do seu dia coincidir com a altura do calendário rural em que terminam os trabalhos agrícolas e se começa a usufruir das colheitas, nomeadamente das castanhas e do vinho. .,

Eis, da lista de provérbios que conheço sobre o S. Martinho, os que referem as castanhas:
  • No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
  • No dia de S. Martinho, come-se castanhas e bebe-se vinho.
  • No dia de S. Martinho, mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.
  • Pelo S. Martinho castanhas assadas, pão e vinho.

Castanheiros - Srª dos Remédios (Lamego)


Fotos: manueladlr amos 0401 Castanheiros monumentais (Castanea sativa) - Lamego
Estas árvores, onde já morou incontáveis vezes o espírito do Outono, são agora a expressão mais triste do Inverno. Há muito na minha lista de "peregrinações", em Janeiro último fui finalmente visitá-las.
Uma cabeleira inesperada de heras esconde a decrepitude do primeiro castanheiro a ser classificado de interesse público (em 1940) no nosso país; e não são muitos os castanheiros classificados: apenas mais quatro, segundo o documento Árvores isoladas, maciços e alamedas de Interesse Público*, onde se pode ler sobre este castanheiro, estar ele "totalmente decrépito" e ter "cerca de 700 anos".
Na árvore que conserva algumas pernadas, na extremidade de um dos ramos, viam-se ainda sinais do tempo cíclico: folhas carcomidas e ouriços!
Estas verdadeiras relíquias mereciam muito mais que estreitos canteiros e placa comemorativa!

Sobre estas árvores escreve Ernesto Goes o seguinte:
«Castanheiros do Parque de Nossa Senhora dos remédios, em Lamego.
Trata-se de dois castanheiros multiseculares, decrépitos, tendo o maior 9 m. de P.A.P, que segundo Taborda de Morais (1936) deve ter cerca de 900 anos, sendo um dos mais velhos do País. Esta árvore está considerada de interesse público, por Decreto publicado em 'Diário do Governo'. Foi assinalado por Sousa Pimentel no seu livro
Árvores giganteas de Portugal, publicado em 1894, tendo já nessa altura 9 m. de P.A.P. Este castanheiro pertence à irmandade de Nossa Senhora dos Remédios.»
in Árvores Monumentais de Portugal (1984)

*Árvores isoladas, maciços e alamedas de Interesse Público, 2003-Instituto Florestal; obra que pode ser pedida na Biblioteca da Direcção Geral dos Recursos Florestais.)

Outras árvores classificadas

09/11/2004

O espírito do outono

Será
a embriaguez? O vento matinal
arrastando folhas
raparigas canções?
O sopro frio das estrelas?
Será a beleza,
o espírito do outono? Há um limite
para o homem, um limite
para suportar o peso do mundo.
Da beleza, da bárbara
orgulhosa beleza, quem sabe defender-se
sem medo do coração lhe rebentar?

Eugénio de Andrade, O sal da língua (1995)

Postal de Outono - Vidago


Foto: mdlr 0411 - Vidago - campo de golfe ao pôr-do-sol

Havia pouca gente no Parque das Termas de Vidago quando, guiados pelo nosso amigo Manuel Miranda Fernandes, o visitámos no último domingo. Poderá ter sido um acaso: afinal, em Vila Pouca de Aguiar, a curta distância de Vidago, realizava-se uma Festa da Castanha e do Cabrito que pode ter atraído muitos dos habituais utentes do parque. Mas fica a dúvida a roer: será que os privilegiados que vivem ao alcance de tanta beleza acabam por se esquecer de a usufruir?

Se os tratamentos termais foram caindo em desuso na segunda metade do século XX, ficaram, dos seus tempos áureos, sumptuosos parques que guardam as melhores colecções de árvores ornamentais do nosso país. Boa parte da eficácia dessas curas devia-se por certo ao sossego, pontuado por árvores magníficas e embalado por artificiosos lagos e cursos de água, que se desfrutava nesses locais. Talvez a virtude medicinal das águas, embora indiscutível, tivesse sido exagerada por uma crença ingénua, desde então destronada pelos frios laboratórios que produzem os modernos medicamentos; mas não há nada de ingénuo ou de ultrapassado na cura pela paisagem e pelo repouso contemplativo.

Nem o Parque nem as Termas de Vidago estão, felizmente, abandonados: o Palace Hotel, construído entre 1908 e 1910, é ainda hoje um dos mais grandiosos do país, e muita gente escolhe Vidago para as suas férias de Verão. Mas, ao contrário da praia, um parque como o de Vidago não perde atractivos fora da época alta: conheci-o só neste domingo, pintado com as cores de um Outono deslumbrante; e como gostaria de lá voltar assiduamente para acompanhar as suas metamorfoses!

08/11/2004

No Dicionário - Castanha



VIEIRA, Domingos Frei - Grande diccionario português ou thesouro da lingua portuguesa.
Porto : Ernesto Chardron e Bartolomeu H. de Moraes, 1871-1874
No dicionário #1

Postal de Outono-Pedras Salgadas


Foto : manueladlramos:0411
Árvores centrais: tília, camaecipáris, liquidâmbar, tília

Castanhas - Cancioneiro popular

Castinheiro, dá castanhas,
Castinheiro, dá só uma,
Para dar ao meu amor,
Qu'inda não comeu nenhuma.
(Baião, Guarda) II-188

Minha vida são castanhas,
meu desenfado boletas;
Hei-de arranjar um rapaz
Da terra das castanhetas.
(Envendos, c. de Mação) II-319

VASCONCELOS, José Leite de - Cancioneiro Popular Português. Coord. e intr. de Mª Arminda Zaluar Nunes. Coimbra : Univ., 1975

07/11/2004

Árvores do Jardim do Carregal #2



A segunda árvore desta série sobre o Jardim do Carregal pertence à família Araucariaceae, como as araucárias de que aqui falámos. Tem nome de senhora mas é ainda uma menina: é uma Agathis robusta com cerca de 6 metros de altura e não mais de 20 anos. A palavra grega agathis significa "novelo de fio", aludindo à forma dos cones femininos deste género; o termo latino robustus refere-se ao tamanho e idade que a árvore pode atingir: são conhecidos exemplares com 50 metros de altura, 3 de diâmetro do tronco e mais de 2 mil anos.

O nosso espécime vegeta no bordo do jardim mais ameaçado pelas obras da construção do túnel do Carregal, que já lhe destruíram várias ramadas. Esteve mesmo para ser abatida, mas a oportuna consulta por parte dos construtores do túnel ao Jardim Botânico do Porto, confirmando que se trata de "árvore rara", salvou-a de destino tão desonroso.

Como todos os membros da família Araucariaceae, trata-se de uma árvore perenifólia; as suas folhas são tendencialmente opostas, com pecíolo curto e achatado, cerca de 10 cm de comprimento, de cor verde-escuro, face superior brilhante como se envernizada, e distinguem-se bem pelo recurvado nas margens.



O tronco é maciço, cinzento, de madeira amarelada (da cor da sua resina), com casca lisa ou coberta de leves escamas, livre de ramagem na maior parte da sua altura. Além disso é monóica (orgãos reprodutores masculinos e femininos na mesma árvore), mas a produção de sementes só ocorre em idades superiores a 30 anos e o nosso exemplar não produziu ainda cones.

É originária de Queensland, na Austrália, e portanto conterrânea da Araucaria bidwillii; para lhe aliviar as saudades de casa, a nossa árvore foi plantada perto de uma destas araucárias. Não conhecemos outro exemplar de Agathis no Porto; Amaral Franco, nos Anais do Instituto Superior de Agronomia, menciona um de bom porte no Palácio de Cristal mas que já não existe.

Fotos: pva 0410

06/11/2004

Liquidâmbares - Serralves


Foto: mdlr 03.11.06
Esta alameda de liquidâmbares é sem dúvida um dos sítios mais bonitos dos Jardins de Serralves, e no Outono tem um encanto especial. Há precisamente um ano, depois de repetidas visitas, consegui vê-la com luz e cor ideais.
Este ano, devido ao vento, as árvores já perderam mais folhas -e eu quedei-me cá fora por mor dos estorninhos...- no entanto, só mesmo em Dezembro ficarão completamente despidas.
Liquidâmbares #1

05/11/2004

Folhas de pedra


Foto: pva 0410 - Porto

As inconfundíveis folhas representadas neste alto-relevo são as do castanheiro-da-Índia; e também se distinguem nitidamente os frutos da mesma árvore. Uma vez que já revelei essa parte do segredo, é bom de ver que a foto não se destina a testar a erudição botânica dos nossos leitores. Um teste mais difícil, à boa maneira dos enigmas da Avenida dos Aliados, é adivinhar que prédio da Baixa do Porto ostenta este e outros frisos semelhantes. Apesar de o prédio estar em local muito frequentado, admito que é uma pergunta difícil, a que eu próprio há um mês atrás não saberia responder.

O prédio é um dos muitos na cidade que se encontram devolutos. Esperemos que a urgente reabilitação da Baixa, se alguma vez chegar ao prédio (e espero bem que sim), não faça cair estas folhas de pedra que, assim como resistem a todos os outonos, também vão sobrevivendo ao abandono.

04/11/2004

Lembrar Garrett

A cidade tem andado esquecida. Desculpar-se-á com o emaranhado de afazeres diários que lhe enevoam a sensibilidade, com os canónicos dissabores do Outono chuvoso, com as arrelias neste torrão de lágrimas. Mas não há perdão para o desinteresse oficial por efeméride de tanto relevo: Almeida Garrett faleceu há 150 anos e seria de todo pertinente que a cultura portuense sublinhasse a data com evocação especial da obra do escritor. Como registo dessa efeméride, só a carta de Manuel António Pina (in Visão, Agosto de 2004) ao poder camarário:

«Exmo. Sr. Presidente da Câmara do Porto:

Almeida Garrett morreu há 150 anos. Talvez V. Excia. não esteja, assim de repente, a ver de quem se trata, mas se tiver a maçada de olhar pela janela do gabinete há-de reparar numa estátua colocada na praça fronteira aos Paços do Concelho: Almeida Garrett é esse, como confirmará mandando alguém lá abaixo.
Estranhará V. Excia. que o venham tirar das fadigosas congeminações camarárias para lhe dizer que o tal Almeida Qualquer Coisa morreu há 150 anos, e perguntará justificadamente: "Que tenho eu com isso?" Na verdade, V. Excia. não tem nada com isso. Nem a circunstância de o homem ter nascido no Porto, cidade (às vezes chamada "cidade de Garrett") a cujos destinos V. Excia. preside, é decerto motivo bastante, já que todos os dias nasce gente no Porto. (...)
Ora para que não se comente que o "leal, paciente e bom povo" do Porto (...) não honra os seus filhos, talvez V. Excia. queira, tendo tempo, considerar uma qualquer evocação da efeméride antes do termo do ano, mesmo que a preço de alguns foguetes a menos na próxima sessão de fogo-de-artifício. (...)
Isto, apesar de já ter sido dito, (...) que "a maior honra que podem fazer ao eminente escriptor é ensinarem a gente do Porto a ler, e depois mais tarde darem-lhe para admirar os escriptos do seu patrício". Mas, se toda a gente do Porto lesse Garrett, quem sobraria para o fogo-de-artifício?»


Se, lendo Garrett, o homenageamos, saboreemos pois um excerto de Viagens na minha terra (1846):

«Este é que é o pinhal da Azambuja?
Não pode ser.
Esta, aquela antiga selva, temida quase religiosamente como um bosque druídico! (...) ...Oh! que ainda me faltava perder mais esta ilusão...


Por quantas maldições e infernos adornam o estilo dum verdadeiro escritor romântico, digam-me, digam-me: onde estão os arvoredos fechados, os sítios medonhos desta espessura? Pois isto é possível, pois o pinhal da Azambuja é isto?... (...) Uns poucos de pinheiros raros e enfezados através dos quais se estão vendo as vinhas e olivedos circunstantes!... É o desapontamento mais chapado e solene que nunca tive na minha vida - uma verdadeira logração em boa e antiga frase portuguesa.

E contudo aqui é que devia ser, aqui é que é, geográfica e topograficamente falando, o bem conhecido e confrontado sítio do pinhal da Azambuja... Passaria por aqui algum Orfeu que, pelos mágicos poderes da sua lira, levasse atrás de si as árvores deste antigo e clássico Ménalo dos salteadores lusitanos? Eu não sou muito difícil em admitir prodígios quando não sei explicar os fenómenos por outro modo. O pinhal da Azambuja mudou-se.»

03/11/2004

Estorninhos nos lódãos

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fotos: mdlr 0411
Afinal a chuva não os demoveu e cá continuam eles banqueteando-se com as "ginjinhas de rua"!Tem sido assim desde há uma semana (como acontece todos os anos): uma autêntica roda viva entre os lódãos (Celtis australis) de Ramalde e os exteriores aos muros de Serralves. Um verdadeiro espectáculo! Até me admira que as pessoas não tragam as suas cadeiras e se postem de atalaia, nariz no ar, a observar a exuberância destes pássaros.
"São estorninhos!" Dizem alguns passantes mais sabedores. Aos que nada dizem e me olham com ar desconfiado, eu pergunto sorridente: "Viram os estorninhos? Estão a comer os frutinhos dos lódãos!". E aponto para o chão pejado de bolinhas pretas, mais pequeninas que azeitonas. (Já provaram? São docinhas mas estão a ficar um pouco passadas.)

Estorninho-malhado (Sturnus vulgaris) com drupa de lódão-bastardo (Celtis australis) no bico.
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02/11/2004

Reciprocidades

Sempre gostei do eco: de ouvir os chamamento, devolvidos e multiplicados, parecendo outras vozes, como se de muitos amigos se tratassem. Amigos aliados, de pés bem assentes no granito e no chão (apesar de às vezes voarem inesperadamente por cima dos telhados vermelhos), amigas com nomes de sonho, como Elsinore, com quem gostaríamos de figurar em quadros.

Green Man 2 & 3


Fotos: pva 0410

Aqui estão duas novas encarnações do irreprimível Homem Verde que já antes aqui mostrámos em versão mais barbuda. Estes vertem água nos jardins das Virtudes e do Palácio de Cristal; ao primeiro lavaram a cara há pouco tempo e daí o seu ar imberbe, que a leve babugem musgosa não consegue disfarçar; o segundo é emoldurado por uma densa cortina de Ficus pumila. Não têm um ar igualmente bem disposto: um é bonacheirão e prazenteiro, o outro abre a boca num esgar feroz.

Este Green Man, sendo por assim dizer uma materialização do panteísmo, aparece como figura quiçá simpática, o que não deixa de causar estranheza: ainda hoje se diz de alguém que ficou verde de inveja; e os marcianos e outros extra-terrestres da imaginação popular são (ou foram) invariavelmente verdes e terríveis. Mas, agora que o cinema deu novo fôlego aos heróis da BD, talvez o mundo esteja a postos para um novo Green Man, um super-herói ambientalista em luta contra grandes e pequenos poluidores, destruidores e especuladores.