No litoral português entre Espinho e Aveiro há uma sucessão quase contínua de cidades e vilas que bem dispensariam ter árvores, e por isso castigam sem piedade todas as que tiveram a má sina de nelas vegetar. Muito embora em Aveiro o grau de dendrofobia ande longe do paroxismo espinhense, o visitante não pode deixar de observar como são poucas e pequenas as árvores nas ruas centrais da cidade. A principal artéria urbana, a Av. Lourenço Peixinho, tinha até há poucos anos um duplo alinhamento de álamos de belo efeito. Para criar estacionamento ou possibilitar mexidas no trânsito, a placa central foi sendo gradualmente estreitada - até ser suprimida por completo, no topo da avenida, para se rasgar o túnel rodoviário que cruza a linha do Norte. A avenida, que era acolhedora, tornou-se inóspita: do duplo alinhamento de outrora sobra-lhe um alinhamento simples em dois terços da sua extensão; no terço restante, em vez de árvores, o que temos são os muretes de protecção do túnel.
Outras empreitadas recentes ocasionaram também, posto que em menor grau, o abate de árvores adultas: a ligação viária desnivelada entre as avenidas de Santa Joana e de 5 de Outubro; o estacionamento subterrâneo na Praça Marquês de Pombal, com o abate de um grande número de bonitas Lagerstroemias; e a extensão em curso do Museu de Aveiro, com o sacrifício quase integral do pequeno jardim que, na toponímia oficial, leva o pomposo título de Parque de Santa Joana. E deu brado, em 2005, o bem sucedido requerimento à Câmara de alguns moradores da Baixa de Santo António pedindo o derrube dos pinheiros-mansos que serviriam de abrigo a namoros indecentes.
Não são pois as árvores que me chamam a Aveiro: são os braços da ria cingindo as ruas, essas ruas planas e de casas baixas onde se anda a pé com tranquilidade e sem esforço; são os moliceiros a gozar a aposentação no canal central, servindo de garrido contraponto às palmeiras do Rossio; e são também, devo confessá-lo, as enguias e os ovos-moles.
Aveiro tem pelo menos um espaço com arborização frondosa: o velho Parque do Infante D. Pedro - que, embora pequeno, foi de certo modo prolongado na década de 1980 com a construção da Baixa de Santo António, um parque moderno e aberto, separado do primeiro por uma rodovia onde pontificam grandes plátanos. O coberto arbóreo do Parque D. Pedro não é entusiasmante: há muitos choupos, muitas folhosas perenifólias de fraco efeito ornamental, muita hera trepando pelas árvores em redor do lago. Apesar de ter havido, há cerca de dois anos, uma intervenção positiva, com a retirada da gaiola dos pássaros e o derrube do muro à face da rua, a impressão geral é de abandono, reforçada pelo chalet fechado e pelos chafarizes de onde não escorre gota de água. Mais aprazível, mais cuidado e com árvores mais bonitas é o jardim contíguo ao parque, a que se acede por uma dupla escadaria ornamental coroada por uma pérgula com glicínias e buganvílias.
Ontem, no Jornal de Notícias, lemos que o Presidente da Câmara de Aveiro «desafiou os elementos da Associação dos Amigos do Parque Infante D. Pedro a assumirem, num futuro próximo, a gestão do maior espaço verde da cidade». A parte boa da notícia é que em Aveiro os amigos das árvores são agora ouvidos pelo poder municipal. Mas pode-se também entender dessas palavras que a Câmara, em lugar de usar o seu dinheiro e os seus recursos na manutenção dos escassos espaços verdes públicos, prefere entregar essa tarefa a voluntários - como se o orçamento camarário só devesse servir para coisas realmente importantes como as acessibilidades e o estacionamento. Oxalá eu me engane e esta interpretação seja de todo injusta.